Pedro Lynce, uma governação marcada por críticas de cientistas e estudantes

A governação do ministro Pedro Lynce ficou marcada pelas críticas ao desinvestimento na ciência e à autonomização financeira do ensino superior, que levou à contestação estudantil pelo aumento das propinas.

Pedro Augusto de Faria Lynce, doutorado em Ciências Agronómicas, tinha já desempenhado por duas vezes as funções de secretário de Estado, nos mandatos dos ministros da Educação Couto dos Santos e Manuela Ferreira Leite, antes de ser nomeado por Durão Barroso.

Natural de Lisboa, o ex-professor catedrático na Secção de Agricultura no Departamento de Produção Agrícola e Animal do Instituto Superior de Agronomia, foi escolhido para titular de uma pasta que aglutinou o Ensino Superior e a Ciência, opção criticada por alguns investigadores.

A lei de bases do financiamento do Ensino Superior - que passa para as universidades e institutos a responsabilidade de definirem o valor máximo das propinas - marcou a última polémica protagonizada pelo ministro.

O início deste ano lectivo foi, aliás, assinalado com a contestação à sua governação e, nos últimos dias, várias associações de estudantes chegaram mesmo a reclamar a demissão do ministro.

Do lado de cientistas e investigadores, a tutela de Pedro Lynce foi sempre encarada com desconfiança, por considerarem que a ciência era vista como "parente pobre" do ministério.

Um dos seus exemplos apontados foram os cortes financeiros à Fundação para a Ciência e Tecnologia entidade que tutela a atribuição de financiamento a projectos científicos, o que comprometeu a atribuição de bolsas.

Antes de integrar o Executivo de Durão Barroso, Pedro Lynce participou nos Conselhos Científicos das Escolas Superiores Agrárias de Elvas e de Beja e ocupou o lugar de presidente do Conselho Científico do ISA.

O seu contacto com projectos financiados por organizações internacionais deriva de convites dos governos norte-americano e israelita para visitar experiências técnico-científicas no âmbito das ciências agrárias.

Foi ainda consultor/visitante em diversas organizações, em Angola, realizando acções técnicas de consultoria em projectos de investigação e desenvolvimento.

Durão Barroso aceita pedido de demissão de Pedro Lynce

Foto
Durão Barroso destaca as qualidades humanas de Pedro Lynce e o trabalho ao serviço do Governo e do país Inácio Rosa/Lusa

O pedido de demissão do ministro da Ciência e do Ensino Superior, Pedro Lynce, foi aceite pelo primeiro-ministro, Durão Barroso, segundo nota do seu gabinete.

O pedido de exoneração de Pedro Lynce já foi apresentado ao Presidente da República, refere a mesma nota, que realça o "excepcional trabalho desenvolvido pelo ministro na reforma e modernização do Ensino Superior" em Portugal e que "constitui um relevantíssimo serviço prestado" ao país.

"O primeiro-ministro destaca, de forma muito especial, as notáveis qualidades humanas do professor Pedro Lynce e o alto sentido de dignidade com que tomou uma decisão que, no seu critério, entendeu ser a que melhor serve o Governo e Portugal", acrescenta a nota.

Lynce nega favorecimento

Ao anunciar hoje no Parlamento a demissão do cargo, o ministro da Ciência e Ensino Superior disse estar de "consciência tranquila" e negou ter favorecido a entrada da filha do ministro dos Negócios Estrangeiros na Faculdade de Medicina na Universidade Nova de Lisboa.

"Não tive qualquer pedido, pressão ou solicitação do ministro dos Negócios Estrangeiros ou de qualquer outra pessoa ou entidade", disse Pedro Lynce aos deputados da comissão parlamentar de educação.

"O caso foi tratado pelos serviços do ministério como qualquer caso normal (...) tomaria decisão similar fosse em relação a que pessoa fosse", acrescentou.

Pedro Lynce admitiu, no entanto, que a sua permanência no cargo poderia "prejudicar as reformas" em curso no sector.

O caso

Apesar de a lei não prever, o ministro da Ciência e do Ensino Superior, Pedro Lynce, aprovou a criação de um regime de excepção que terá permitido à filha de António Martins da Cruz, ministro dos Negócios Estrangeiros, entrar em Medicina.

Diana Champ Martins da Cruz estava a estudar em Madrid, no 11º ano, quando o pai foi convidado para a pasta dos Negócios Estrangeiros. Concluiu esse ano em Espanha e veio para Portugal, para o Liceu Francês Charles Lepierre, em Lisboa, onde terminou o secundário, no passado ano lectivo.

A filha do ministro fez um requerimento à Direcção-Geral do Ensino Superior pedindo para continuar a ser abrangida pelo regime especial - que prevê que os funcionários portugueses em missão diplomática no estrangeiro e seus familiares possam aceder através de um contingente especial e não através do concurso nacional de acesso ao ensino superior. De acordo com as informações recolhidas pela SIC, os candidatos que concorram através deste regime especial não precisam de ter uma nota mínima de candidatura.

Mas, para socorrer-se deste contingente, o aluno deverá ter concluído num país estrangeiro um curso de ensino secundário "quando em missão ou acompanhando o familiar que está em serviço diplomático".

Ora, "a situação apresentada pela estudante não se integra nas condições previstas, uma vez que completou o ensino secundário em Portugal", reconhece o director-geral do ensino superior, Luís Filipe Requicha Ferreira, num documento datado de 23 de Julho deste ano.

Ainda assim, Requicha Ferreira salvaguarda que "a Diana frequentou o Liceu Francês em Bruxelas, de 1995 a 1999, e transferiu-se para Madrid onde esteve até 2002, altura em que o seu pai foi chamado para exercer funções governativas".

Se Martins da Cruz não tivesse aceite o cargo ministerial, a filha teria terminado o secundário em Espanha, logo, poderia entrar na universidade. Diana queria seguir Medicina, informou fonte do gabinete do ministro Pedro Lynce. "Julgo tratar-se de uma situação excepcional que pode merecer um tratamento excepcional", considera o director-geral do ensino superior, justificando logo de seguida: "As funções de interesse público, como são as do exercício de funções governativas, não deverão causar perturbações no percurso escolar da estudante que, tendo um percurso escolar em ensino estrangeiro, deverá ser considerado relevante para não prejudicar expectativas criadas e dar igualdade de oportunidades à aluna", conclui.

Pedro Lynce concordou com a análise feita pelo director-geral e assinou o documento, a 1 de Agosto, acrescentando que "a metodologia proposta deve ser adoptada em casos similares".

Portanto, qualquer diplomata ou seu descendente que, não tendo terminado o secundário no estrangeiro, poderá concorrer através do contingente especial, mesmo concluindo esse nível de ensino em Portugal.

A decisão sobre a colocação está sujeita a audição prévia do estabelecimento de ensino. A SIC avançou ontem à noite que a aluna ocupou já uma vaga em Medicina na Universidade Nova de Lisboa. De acordo com o calendário que regula os regimes especiais de acesso, a afixação dos resultados da candidatura ocorreu a 22 de Setembro.

Sugerir correcção
Comentar