Tesouro de Arouca vai ser analisado em laboratório

Quatro moedas de cobre perdidas em cima da terra e alguns cacos de cerâmica. "Tinha de ser um tesouro, e a emoção foi fantástica", lembra o arqueólogo Miguel Marques. De imediato, este investigador e a sua colega Fátima Marques ajoelharam-se na encosta pronunciada e pegaram no pequeno tesouro, inesperadamente encontrado nas obras da Estrada Nacional (EN) nº326, que vai ligar Mansores a Arouca (ver PÚBLICO do passado dia 18/06). Em duas das quatro moedas sobressaía o sereno busto do imperador Constantino, que fez a equipa de arqueólogos retroceder no tempo até aos idos de 400 d.C. Era a quarta vez que Miguel e Fátima Marques observavam aquele local. As máquinas pararam de imediato, as moedas foram retiradas, a responsável pela obra foi contactada, tiraram-se fotografias e informou-se o consultor científico. No dia seguinte, a equipa regressou ao local e não foi preciso retirar muita terra para descobrir um pequeno nicho estruturado em pedra onde se encontrava uma peça de cerâmica, já partida, repleta de moedas de cobre, de entre os séculos IV e V d.C., que foram retiradas ao longo de três dias pelos dois arqueólogos, com a ajuda de três funcionários da obra. Nos trabalhos de crivagem, encontraram-se mais algumas centenas de moedas. Ao todo, foram encontradas três mil moedas de cobre do período tardo-romano, um pote de cerâmica, que será reconstruído, e um cordel de fibra têxtil ainda com o nó, o que pressupõe a existência de um saco onde as moedas foram armazenadas e que deve ter desaparecido com a passagem do tempo. Apesar de ser quase certo que o achado está completo, os arqueólogos vão estar presentes, por uma questão de segurança, no momento em que as máquinas retirarem a terra daquele local. Agora é necessário montar o puzzle e o tesouro será analisado em laboratório por especialistas em numismática. Segundo Miguel Marques, a existência de várias tipologias de moedas torna o tesouro ainda "mais rico", não em termos monetários, entenda-se, mas ao nível da informação que lhe está subjacente. Mas só após a análise pormenorizada do achado é que se poderá contextualizar e enquadrar historicamente o tesouro, que certamente irá revelar aspectos importantes, nomeadamente no que diz respeito aos centros de cunhagem, às relações comerciais e até mesmo ao tipo de indústria existente na época final da dominação romana. "É um manancial de riqueza inesgotável", salienta Miguel Marques. Imagina-se que o tesouro terá sido escondido por alguém que, por razões desconhecidas, o terá ali deixado. "As moedas vão dar informações fantásticas", acrescenta o arqueólogo. Desde que a obra na EN326 começou que a equipa de arqueólogos contratada pelo Instituto para a Construção Rodoviária (Icor) acompanha diariamente o trabalho das máquinas e faz prospecção arqueológica, ao longo de 10 quilómetros. Segundo a engenheira residente da obra, Paula Rocha, o acompanhamento nas intervenções rodoviárias por uma equipa de arqueólogos contratada para o efeito é prática comum no Icor, "de acordo com a importância de cada uma das obras". Neste caso concreto, depois da descoberta, houve um "planeamento da obra de acordo com as necessidades da arqueologia". O Icor não mexeu mais no trilho, abrindo um outro para que a equipa pudesse trabalhar à vontade, e foi encomendado um topógrafo para facilitar todo o trabalho. "É o achado mais significativo, o maior número de moedas que conseguimos recuperar", realça a engenheira do Icor. "O achado é bastante importante a nível local e regional, mas não é de todo incomum", refere o director do Centro de Arqueologia de Arouca e consultor científico deste projecto, António Manuel Silva. "Para Arouca, para a região de Entre Douro e Vouga, é bastante expressivo, quando foi recolhido aparentemente na sua totalidade", salienta. Nesse sentido, o "tesouro do Reguengo" pode ser visto como "uma amostragem fiável" da circulação monetária na fase final do Império Romano. "Temos ali uma amostra que nos diz o tipo de moeda e a cunhagem que circulava na Península Ibérica na altura", tornando-se, assim, "um testemunho muito importante" sobre o final da dominação romana. No entanto, este não é o único achado na zona de Arouca, embora, até ao momento, seja o mais expressivo a nível da numismática. Há cerca de 10 anos, foram encontradas 20 moedas, do mesmo período temporal, na demolição de uma casa em Arouca.Apesar de não ter conhecimento das circunstâncias que envolveram a descoberta, mas sabendo que é "um achado que está, à partida, completo", o arqueólogo do Museu de Conímbriga e investigador na área da numismática José Ruivo refere que o conjunto "nos dará uma imagem do que seria o numerário em circulação no momento em que foi ocultado", isto é, "um 'flash' monetário da época". Tratando-se "de uma ocultação típica dos finais do século IV e V", este investigador considera que "este tesouro poderia ter sido eventualmente ocultado no decorrer das invasões bárbaras" e que será um contributo valioso para o estudo da época tardo-romana.

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