Associações de dietéticos ameaçam com queixa no Tribunal Europeu

"Não iremos a lado nenhum. Isto é um diálogo de surdos." Eram de descrédito e revolta os comentários dos representantes e sócios das associações de dietéticos que ontem saíam da reunião convocada pelo Ministério da Saúde para discutir as inspecções relâmpago em ervanárias, que resultaram na apreensão de 62 mil embalagens de diversos produtos naturais e homeopáticos no último mês. A Associação Portuguesa de Alimentação Racional e Dietética (APARD) pondera mesmo avançar com uma queixa contra Portugal no Tribunal Europeu.Se o objectivo do encontro, marcado pelo secretário de Estado da Saúde, Carlos Martins com nove organismos e empresas do sector era arrefecer os ânimos, não o conseguiu. As mais de cem pessoas, entre técnicos, representantes, distribuidores e sócios de associações e empresas de produtos naturais e homeopáticos que, extravasando a lista de convocados, encheram o auditório do Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento (Infarmed) não pareciam dispostas a acatar as explicações da tutela para a operação, levada a cabo em parceria com a Inspecção Geral das Actividades Económicas (IGAE), em todo o país."As apreensões de produtos dietéticos foram desastrosas e retiram toda a credibilidade ao Infarmed", defendeu Jerónimo Sardinha, presidente da comissão coordenadora para a regulamentação da naturologia, lembrando que até agora os responsáveis do sector nunca foram informados ou esclarecidos sobre a situação. "Apreenderam a um técnico a carteira profissional da Federação Nacional das Medicinas Alternativas. E isso não podem fazer."Os defensores das medicinas naturais questionam os motivos pelos quais o IGAE e o Infarmed se limitaram às ervanárias, quando nas farmácias são vendidos exactamente os mesmos produtos. "Nas inspecções ficaram de fora as farmácias", lembrou uma técnica de fitoterapia, uma das oito mil representantes destes produtos em Portugal. "Nas ervanárias foram apreendidos sabonetes e até produtos homeopáticos que estavam registados no Infarmed."A estas acusações as autoridades de saúde respondem com a presença em alguns produtos apreendidos de substâncias proibidas ou em dosagens superiores ao permitido, como efedrina-cafeína, melatonina ou crómio. Revelam também a gravidade das propriedades curativas contidas nos rótulos de alguns desses - que por lei não podem ter indicações terapêuticas, como os medicamentos vulgares, mas apenas indicações de uso. São elas hepatites crónicas B e C, carcinomas vários, trombose ou má circulação ou doenças do coração.No encontro de ontem foi também apresentado um anteprojecto de enquadramento jurídico sobre "Produtos à base de Plantas", uma regulamentação há muito exigida para o sector, que ainda funciona num vazio legal. A reunião "pretende ser um ponto de partida na discussão de um documento de referência para o enquadramento jurídico, para esclarecimento e dúvidas", explicava o secretário de Estado da Saúde.Mas a APARD anunciava a intenção de avançar com uma queixa contra Portugal no Tribunal Europeu, se a regulamentação for feita em moldes idênticos à dos medicamentos.O presidente da APARD, Henrique Sobral, lembrou que os produtos à base de plantas "não são medicamentos", sendo assim enquadráveis numa directiva europeia sobre suplementos alimentares, que ainda não foi transposta para o direito interno. Neste caso, a sua elaboração caberia à Direcção-Geral de Fiscalização e Controlo da Qualidade Alimentar e não ao Infarmed, a quem esta tutela é atribuída no anteprojecto ontem apresentado.Jerónimo Sardinha tinha também poucas esperanças na aceitação das suas contribuições para a regulamentação da naturalogia: "A comissão está disponível para discutir ao nível técnico e científico, mas esta área não parece ter grande interesse [para o Infarmed]. Este documento não pode ser analisado em cima do joelho", rematou. As reuniões terminarão no início de Julho.

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