Mais Perto de África

Talvez seja cedo para arrumar André Téchiné na prateleira dos cineastas cujo melhor trabalho já foi feito, mas é difícil passar ao lado da ideia de que o cinema do francês se encontra numa via que conduz ao esgotamento e, aparentemente, sem saída à vista.

"Longe" é, provavelmente, o menos interessante filme alguma vez assinado por Téchiné, reiterando a falta de inspiração (que ainda assim podia ser parcialmente redimida por dois ou três aspectos) que já se manifestava no anterior "Alice et Martin". É forçado dizer que é um mau filme, até porque em Téchiné subsiste um "savoir faire" artesanal que lhe garante uma segurança mínima. Mas é irreparavelmente um filme desinspirado, que repete sem renovar muitas coisas que Téchiné já disse e já filmou, e que o faz dentro de um estilo fílmico que parece cada vez mais "arredondado" e contemplativo, substituindo uma estrutura narrativa forte, complexa e coesa (uma característica que parece em perda desde que deixou de escrever os seus argumentos em colaboração com Pascal Bonitzer) por uma aproximação crescente à voga do "realismo/naturalismo" personificada em filmes como "A Vida Sonhada dos Anjos" de Erick Zonca e semelhantes (Téchiné sempre foi bom a enquadrar, mas essa qualidade perde-se um pouco a partir do momento em que, como acontece aqui, prefere a "instabilidade" da câmara à mão).

É verdade que para o caso concreto de "Longe" se pode avançar com a atenuante de a rodagem ter sido repleta de percalços, levando a uma longuíssima gestação do filme. Mas isso funcionará quando muito como desculpa, apenas parcialmente justificativa do que parece uma oportunidade perdida. E dizemos "oportunidade perdida" porque "Longe" se aventura, finalmente, naquele em que mais do que uma ocasião foi o contracampo "fantasma" das ficções de Téchiné, a África ex-colonial francesa (aqui representada por Tânger e Marrocos), a sombra que pairava sobre filmes como o discreto e sussurradíssimo "A Culpa dos Inocentes" ou "Juncos Selvagens", porventura o último grande momento da obra de Téchiné (já lá vão oito anos!).

Esta associação (ou esta intenção) estava certamente presente no espírito de Téchiné, visto que o "casting" de "Longe" convoca dois vértices do triângulo de "Juncos Selvagens", Stéphane Rideau e Gael Morel, e encontra uma protagonista feminina (Lubna Azabal) que às vezes parece uma fotocópia de Élodie Bouchez (a actriz de "Juncos Selvagens"). Também "Longe" é uma fábula sobre o amadurecimento, o assumir de compromissos, o encontrar de uma identidade (não por acaso, a personagem de Rideau é um camionista que, obviamente, está sempre em trânsito), temperada por algum comentário social (o jovem marroquino que quer emigrar, oposição à personagem do inglês que veio a Tânger para ficar) e por algum simbolismo poético (a gravidez de Emily) que conjuga um pouco de tudo. Mas é, dir-se-ia, uma questão de "toque", e seja o que for que tocou, por exemplo, "Juncos Selvagens", manteve-se à margem deste filme, demasiado maquinal e indistinto, incapaz de se superar. Em última análise, só os adeptos mais ou menos incondicionais de Téchiné encontrarão nele algum conforto, porque apesar de tudo é sempre bom matar saudades.

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