Torne-se perito

Guterres bate com a porta

O PS não acredita que António Guterres se queira recandidatar a primeiro-ministro. O partido vai entrar em convulsãoAntónio Guterres está demissionário de primeiro-ministro e, segundo admitiram ao PÚBLICO destacados dirigentes do PS, o mais provável é que não queira recandidatar-se. O PS prepara-se portanto para entrar em ebulição, sendo certo, num cenário de demissão total de Guterres - do Governo e do PS -, que um congresso nacional será convocado proximamente. "Restabelecer a ligação plena entre governados e governantes." Foi com base neste argumento que o líder do PS justificou a intenção de apresentar ao Presidente da República a sua demissão. É também, precisamente, nesta frase que os dirigentes do PS ouvidos pelo PÚBLICO justificam o pressentimento de que Guterres não pretende voltar à governação - e, logo, manter-se como secretário-geral do PS. "Poderia esse restabelecimento da ligação passar por uma recandidatura de um homem derrotado?", é o que perguntam. De um ponto de vista puramente lógico, obviamente que a resposta é não. O próprio Guterres afirmou: "Não tenho quaisquer ambições de natureza política."Mas isto é uma dedução. Como é uma dedução pensar-se que Guterres deseja eleições antecipadas. Volta-se aqui, novamente, à tal questão do "restabelecimento pleno da relação entre governantes e governados". Depreende-se também destas palavras que são eleições antecipadas que estão no horizonte do líder socialista. Além do mais, o primeiro-ministro disse e repetiu que o país cairia numa situação de "pântano político" se se ignorassem as consequências das eleições de ontem, onde o PS perdeu em toda a linha. António Guterres só não foi mais longe em relação ao que espera de Belém porque isso seria violar abertamente o espaço de decisão do Presidente da República, o qual, segundo Guterres, "deve julgar com inteira liberdade". Jorge Sampaio deverá ainda hoje receber o pedido de demissão formal por parte de António Guterres. E o cataclismo eleitoral de ontem forçá-lo-á a alterar os seus calendários, que apontavam para uma intervenção pública sobre as eleições apenas por alturas do Ano Novo. Agora terá de falar antes.Está fora de causa, entretanto, que o PS apresente no Parlamento uma moção de confiança, como há muito era pressionado para o fazer. Guterres disse que a sua demissão representa "abrir o caminho para uma clarificação política no país" e esclareceu a seguir que "uma moção de confiança não contribuiria para o necessário restabelecimento da confiança entre governantes e governados". De um ponto de vista estritamente objectivo, a única coisa clara da intervenção de ontem do secretário-geral do PS é que está demissionário de primeiro-ministro. Quanto ao resto, há deduções e só isso. Quanto a uma decisão sua sobre uma recandidatura, Guterres disse apenas que a comunicará em primeira mão ao partido. Antecipam-se prognósticos, mas só isso. Ainda não há datas marcadas - pelo menos ontem não foram anunciadas - para reuniões dos órgãos dos partido.Jorge Coelho, entretanto, parece já ter-se colocado de fora da corrida à liderança do PS. Fê-lo com uma frase muito simples: "Ando na vida política com António Guterres há longos anos. Se ele entender sair [de secretário-geral do PS], eu também saio." A frase significa também a primeira admissão por parte de um dirigente do PS - e número dois do partido - que existe a possibilidade de o secretário-geral se afastar.Ao que o PÚBLICO apurou, a decisão de Guterres foi solitária. Terá começado a desenhar-se quando percebeu que tinha perdido o Porto, uma das muitíssimas surpresas da noite eleitora. Lisboa foi então, segundo disse ao PÚBLICO um dirigente do partido, "apenas a cereja no topo do bolo". Mesmo que João Soares tivesse aguentado a capital, seria sempre por uma margem muito mínima, e Guterres demitir-se-ia à mesma. Quando se tornou claro que até Lisboa caía, por volta das 00h45 Guterres e o secretariado nacional do partido dirigiram-se à sala grande da sede do Largo do Rato. Nos rostos de vários dirigentes via-se um indesmentível sentimento de orfandade. Está de saída o homem que há quase dez anos manda no partido e que o levou de novo, depois de Mário Soares, às grandes noites de euforia eleitoral. "Esta derrota é essencialmente minha", concluiu.

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