Estará o cinema preparado para um novo tipo de herói?

Oliver Stone, realizador já galardoado com um Óscar, é conhecido por fazer filmes em que se exploram heróis pouco convencionais, como Ron Kovic, o paralítico activista anti-guerra de "Nascido a 4 de Julho", ou Jim Garrison, o procurador de Nova Orleães de "JFK". Mas, quando recorda os atentados terroristas do 11 de Setembro, Stone compreende perfeitamente por que razão os espectadores têm abraçado, ao longo dos anos, heróis "maiores do que a vida", como o Super-Homem e Arnold Schwarzenegger, que sozinhos salvam o dia. "Sinto saudades do Super-Homem", afirmou Stone. "Quem me dera que ele estivesse lá no 11 de Setembro. Apareceria quando aqueles edifícios estivessem quase a cair. Gostava de ver o que aconteceria. Ainda adoro o Arnold. Queria vê-lo proteger a América de todas aquelas coisas." De Schwarzenegger em "O Perdador" a Sylvester Stallone como Rambo em "A Fúria do Herói", de Steven Seagal em "Força em Alerta" a Bruce Willis em "Assalto ao Arranha-Céus", os modernos super-heróis, com maxilares de aço, bíceps insuflados e poder de fogo suficiente para acabar com um pequeno exército, tornaram-se marcas da cultura pop americana. Mas, a 11 de Setembro, um novo tipo de herói saltou para o centro das atenções, à medida que centenas de bombeiros, polícias e cidadãos comuns davam a vida por outros. Randall Wallace, autor do argumento de "Braveheart" (Óscar para o melhor filme em 1995), defendeu que "em tempos insignificantes criamos heróis para a seguir os destruirmos, enquanto um verdadeiro herói não procura a aprovação de ninguém".Wallace está neste momento a realizar o filme de Mel Gibson sobre a guerra do Vietname - "We Were Soldiers". É uma obra baseada num herói da vida real, Rick Rescorla, um líder de pelotão que levou 395 soldados americanos para um vale cercado por milhares de militares norte-vietnamitas. "Foi uma luta desesperada e horrível", diz desesperada, "mas uma das coisas que fez deste homem um herói foi o facto de ter posto os seus homens sempre em primeiro lugar". Rescorla e os soldados da Companhia B, 2º Batalhão do 7º de Cavalaria viriam a vencer esta batalha, e ele receberia a estrela de prata pela sua liderança e bravura. Mas, numa trágica volta do destino, ele tornou-se, mais tarde, no responsável pela segurança da Morgan Stanley Dean Witter e morreu no colapso do World Trade Center."Quando o avião chocou contra o edifício, foi-lhes dito que ficassem onde estavam, mas Rescorla recusou-se, dizendo que ia fazer com que todos os seus colaboradores saíssem", disse Wallace. "E consegui-o, mas voltou atrás e foi visto pela última vez pelo 90º andar, tentando fazer com que pessoas em cadeiras de rodas abandonassem o local. Isto para mim é, realmente, um herói."Os heróis têm sido desde sempre um ingrediente chave do cinema. Quem pode esquecer John Wayne liderando os seus homens em direcção a Suribachi em "The Sands of Iwo Jima"? Ou Gary Cooper sozinho, de pé numa rua poeirenta, enquanto o apito de um comboio anuncia a chegada de quatro pistoleiros em "O Comboio Apitou Três Vezes"? Ou Leonardo DiCaprio confortando a mulher que ama, à medida que o amaldiçoada Titanic se afunda? Tudo isto apesar dos heróis cinematográficos - sobretudo os semelhantes aos da banda-desenhada - serem muito pouco parecidos com os da vida real. Desconhecidos e humildesTom Casalini, um fotógrafo do Indiana que apresenta no seu último livro - "Ordinary Heroes" - 48 retratos de pessoas a quem foi concedida a Medalha de Honra do Congresso dos Estados Unidos, diz que a sociedade precisa de passatempos que a afastem da realidade e que os super-heróis que Hollywood revela, ano após ano, nada têm a ver com os medalhados que acabou por conhecer. "Quando comecei a encontrar-me com eles, referiam-se a si mesmos como pessoas iguais às outras que se tinham limitado a cumprir o seu dever", recordou Casalini. "Quanto mais falava com eles, mais me convencia de que existe uma certa ligação entre aquilo que é 'normal' e o heróico. Eles eram apenas homens que cumpriam um dever. Por causa das suas acções no cumprimento do dever, outras pessoas passaram a chamar-lhes heróis. E depois todos voltaram para a sua vida quotidiana. Não eram 'superstars' como as que temos no baseball. Ninguém sabia quem eram."O fotógrafo acredita que Hollywood faz um bom trabalho no que respeita à criação de heróis para o grande ecrã, embora veja os gerreiros sofisticados e os heróis "super-macho" como produtos com um "propósito puramente recreativo". O que os heróis da vida real parecem partilhar, acrescentou, é a humildade. Heróis falhados"Estas pessoas que receberam as medalhas de honra - os 'Rambo' reais, os homens que o fizeram na vida real - dizem que estão embaraçados por verem as suas citações lidas pelo público." Stone nota que os heróis são regularmente complexos e por vezes até seres humanos imperfeitos. "Os heróis são pessoas complexas porque a vida é complexa", disse, notando que apesar de não encaixar no modelo convencional de herói, o procurador Jim Garrison de "JFK" será sempre um herói. "Foi muito mais do que um herói", acrescenta Stone. "Digam o que disserem sobre ele ser um falhado, a verdade é que tinha uma vontade de ferro. Chegou depois de um muito complicado caso de operação secreta nos anos 60 quando não conseguíamos obter informações classificadas. Ele montou-se num grande dragão e eles tentaram arruinar a carreira dele." O tema do herói falhado atravessa muitos clássicos de Hollywood. No western de John Ford, de 1956, "A Desaparecida", Ethan Edwards (John Wayne) é um racista que odeia índios. E, tal como Tom Doniphon no western de Ford, de 1962, "O Homem que Matou Liberty Valance", Wayne incendeia a casa que constrói para a rapariga que ama depois de saber da intenção dela em se casar com o advogado da cidade (Jimmy Stewart).Com os acontecimentos de 11 de Setembro ainda frescos na memória, a comunidade criativa de Hollywood luta com a dúvida de como retratar heróis no ecrã depois de tantos heróis vulgares morrerem nesse dia. Jonathan Mostow, que está quase a dirigir "Terminator 3" e que no ano passado dirigiu o thriller do submarino da II Guerra Mundial, "U-571", afirma que todos os que vivem da escrita de ficção estão a questionar-se sobre se os eventos de 11 de Setembro tornaram os seus personagens triviais. "Só o facto de hoje vivermos no nosso país requer uma certa dose de heroísmo", afirmou Mostow. "Vestirmo-nos de soldados e continuar a viver a vida com uma espada do demónio por cima das nossas cabeças requer uma certa dose de coragem... Penso que o que os criativos estão a tentar descobrir é: deve qualquer história particular em que estou a trabalhar reflectir isso ou será que as pessoas querem ir ao cinema para fugir à realidade?" Os heróis nunca mudamO produtor e argumentista Dean Devlin, cujos filmes incluem "O Dia da Independência" ou "O Patriota" acredita que o super-herói de acção dos anos 80 e do princípio dos anos 90 foi já substituído por heróis reais que tinham mais semelhanças com os que nos rodeiam antes do 11 de Setembro. "Quando vimos pela primeira vez os super-heróis num filme, foi algo que nunca tínhamos visto", afirmou Devlin. "Foram personagens da banda desenhada que ganharam vida. Mas penso que a razão pela qual Harrison Ford pode fazer filmes de acção atrás de filme de acção é porque já sentimos realmente que é um homem que conhecemos, que é um homem que podia ser como tu". Jerry Bruckheimer, produtor de filmes de acção como "Armagedão" ou "Pearl Harbor", acredita que os tempos mudam mas a necessidade de heróis não. "Estamos sempre à procura de heróis, regressando à mitologia grega", afirma. "O mundo mudou mas os heróis não".Exclusivo PÚBLICO/"Los Angeles Times"

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