1999, o ano fundador do design

Entre armários e cadeiras, espelhos e sofás, a Colecção Capelo é um retrato, ao vivo e a cores fortes, do século XX. Inaugurado hoje, o Museu do Design de Lisboa põe o público em contacto com 200 peças que se tornaram ícones de uma ou outra geração e provaram como a "arte" se adapta ao que a sociedade lhe vai impondo. E como lhe transforma o dia-a-dia.

Nenhum designer de comunicação visual desdenharia o ano de 1999 para promover um acontecimento. O desenho dos números é, sem dúvida, atractivo. Mas para além do aspecto estético, o ano ficará na história do design em Portugal como um momento fundador. É que a 1999 devem acrescentar-se dois dias e dois meses: 30 de Abril e 11 de Setembro. Se hoje é um dia de alguma euforia para o mundo do design, porque se inaugura às 19h30 o Museu do Design no CCB, o mesmo sentimento deverá regressar em Setembro quando arrancar a primeira bienal de design nacional - a Experimenta Design 99. Todos os designers contactados pelo PÚBLICO falam da dificuldade de afirmação da disciplina - alguns da dificuldade de afirmação da profissão - e reconhecem que acontecimentos como estes podem acabar com alguns equívocos e promover o conhecimento do design, uma actividade com fronteiras fluídas e tendência para ser invadida por disciplinas como a arquitectura ou as artes plásticas. Pedro Silva Dias, 36 anos, diz que é evidente a importância de um Museu do Design: "É importante para os profissionais e para os estudantes pelo acesso que dá às peças clássicas. Mas, eventualmente, o público em geral poderá começar a perceber o que parece e o que é, de facto, design. Pode comparar as peças unanimemente aceites como boas com as outras que se vendem nas lojas e perceber que o design tem autores, ideologias, correntes, uma história complexa até chegar ao estado actual." Silva Dias, que neste momento tem trabalhos para a J.C. Decaux e para a Portugal Telecom na área do equipamento urbano, diz que, no seu caso, não pode falar de um percurso difícil. "Não me parece que se possa estar sempre a dizer que o design não chega à indústria e depois ficar parado à espera. Os designers podem contactar a indústria e apresentar uma proposta que seja apoiada até à comercialização do produto. Apresentar um bom contacto que os possa ajudar nesta fase." Assim, talvez a longo prazo as fábricas comecem a estar interessadas em desenvolver produtos próprios e não se limitarem a ser um receptáculo das encomendas exteriores. José Viana, um dos sócios da Proto Design que está envolvido na Experimenta Design 99, diz que o novo museu é importante, mais que não seja por ser o primeiro. "Mas é importante que não se fique pela colecção, que não seja um receptáculo mas um lugar onde deve estar a história da cultura material. Não sei até que ponto a colecção de Francisco Capelo tem uma contextualização". Neste momento, José Viana, de 38 anos, está a desenvolver com a Anobil, empresa da indústria de perfis de alumínio que faz caixilharias, "um projecto capaz de vocacionar essa tecnologia para outros campos, como o mobiliário e outros objectos domésticos". Tal como aconteceu quando a Proto Design trabalhou na área dos candeeiros em faiança e porcelana com a Porcel e a JPM, a empresa design de que é sócio pediu a uma dezena de autores para interpretar o mesmo "briefing". "Individualmente as coisas são difíceis, mas com um projecto coordenado que envolve múltiplos autores há a possibilidade de uma mediatização mais alargada do acontecimento. Este projecto, tal como o dos candeeiros, é uma produção com um pequeno risco de investimento, utiliza recursos mínimos para uma máxima eficiência. De certo modo, é um dos desafios mais importantes que podem ser postos a um designer", comenta José Viana, acrescentando que o baixo custo também democratiza os objectos.Mas a instauração da democracia em Portugal, segundo o histórico Daciano Costa, de 68 anos, comportou-se de modo paradoxal em relação ao design português. Este homem que fez o mobiliário da Biblioteca Nacional ou da Fundação Gulbenkian diz que a seguir ao 25 de Abril - "que saúdo para que não haja equívocos" - houve uma retracção nas indústrias produtoras de equipamento. "A economia abriu-se à Europa e Portugal deixou de estar com os designers". Sobre o museu de Belém, embora já tenham sido introduzidas algumas alterações, receia que o facto de ter partido de uma perspectiva coleccionista e não museológica possa comprometer a sua função didáctica. "O design ocupa-se do trivial e não do excepcional. É fundamental que os objectos se façam compreender uns aos outros, que ganhem significado lado a lado." Agora, Daciano Costa está de regresso ao local do crime, nas suas palavras, porque lhe pediram para remodelar alguns espaços interiores da Gulbenkian. Embora esteja muito contente com o que faz - está a acabar de desenhar o equipamento para um hotel na Madeira e desenvolve um programa de design e de arte pública para uma praça em Lisboa -, a Gulbenkian foi o seu projecto preferido. "Foi feito com uma óptima equipa e veio numa época de princípio da maturidade. O mercado nessa altura não tinha nada, havia ainda um resto de artesanato e era possível preparar modelos especiais para cada edifício. Apesar de certas obras ainda merecerem essa atenção, o equipamento é em geral comprado nas grandes boutiques de design que têm um comércio muito activo. Filipe Alarcão, para além de citar a importância do museu pelo seu aspecto documental, sendo que parte da função de qualquer instituição museológica é mostrar o que foi feito, refere o exemplo do Vitra Design Museum, na Suíça, como um possível modelo a seguir. "O Museu de Design deve ter outro lado de pesquisa, mais vivo, com exposições monográficas e 'workshops' temáticos". Alarcão, de 36 anos, desenvolve um projecto de equipamento urbano e sinalética para uma zona operacional do Porto de Lisboa, resultado de um protocolo assinado entre a Administração do Porto de Lisboa e o Centro Português de Design. Em colaboração com José Viana, fará uma pesquisa em redor do mobiliário infantil para a bienal que acontecerá em Setembro e que trará a Lisboa estrelas do design contemporâneo.

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