Os tablets intrometem-se no jogo das consolas

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Empresas de jogos apostam em tablets e smartphones Foto: Kevork Djansezian/Getty Images/AFP

Com a crescente utilização dos tablets e smartphones, o panorama dos videojogos está a mudar. As empresas antes dedicadas às consolas e computadores têm de se adaptar às novas plataformas e hábitos dos jogadores. Uma aposta que, em Portugal, tem resultado para a GameInvest e a Tapestry Software.

Se antes os jogadores despendiam longos minutos, por vezes horas, em frente a um computador ou com um comando de consola nas mãos, agora podem fazê-lo mais rapidamente e em movimento. “Mudou essencialmente a forma de jogar e o local e o tempo que se tem para jogar”, afirma Nélson Zagalo, professor de Media Interactivo na Universidade do Minho (UM) e Presidente da Sociedade Portuguesa de Ciências dos Videojogos (SPCV). “É diferente estando numa sala de estar, calmamente, com um ecrã de 50 polegadas, ou numa carruagem de metro com sete minutos para a estação em que tenho de sair, ou num avião para Madrid com 40 minutos úteis sem nada para fazer”, acrescenta. Segundo o relatório da Nielsen, empresa de consultoria, em 2011 o principal motivo de escolha dos tablets era a facilidade de transporte.

Necessidade de adaptação

Segundo dados da SPCV, em 2010 e 2011, as empresas portuguesas deste sector foram responsáveis pela criação de 50 videojogos. Com esta mudança de hábitos dos jogadores, também elas tiveram de adaptar a sua produção, sendo que algumas consideram que os tablets não são concorrentes directos das plataformas tradicionais.

A GameInvest, sediada na Amadora, Lisboa, é um desses exemplos. “Começámos devagarinho. Primeiro, adaptámos os jogos [de consola] que já tínhamos para tablet”, conta a directora da empresa, Mariana Cardoso, que adianta que os jogadores que antes se dedicavam à gestão de um hospital em PC ou Mac, a partir de Julho vão poder adquirir a versão de Hospital Hustle também para tablet. Numa fase posterior, a aposta da empresa nas novas plataformas materializou-se na criação de um departamento especialmente concebido “para atacar esta tecnologia em exclusivo”, incorporando novos postos de trabalho e propriedade intelectual individual com vista à produção de jogos originais.

A Tapestry Software, uma empresa de Coimbra, não tem como público-alvo o consumidor final, produzindo conteúdos informáticos para outras entidades, sobretudo projectos pontuais e de curta duração para divulgação de eventos. Ainda assim, a directora da empresa, Ana Almeida, também teve a mesma preocupação e entendeu que as mecânicas de produção para PC eram “facilmente transferíveis” para tablets. Investiu na actualização de conhecimentos da sua equipa e adaptou os métodos de produção para tablets. Apesar de ter deixado o 3D para trás, porque nos dispositivos móveis os ambientes não precisam de ser tão ricos nem imersivos, a aposta noutras características não foi descurada. “Um jogo para tablet tem de ser divertido e, tanto quanto possível, imediato”, defende.

Plataformas novas, características novas

Aliado a estes factores, o presidente da SPCV defende que um número reduzido de personagens, sessões de jogo mais curtas, delimitação do ambiente de acção e uma relação entre a recompensa lógica e a coordenação física são algumas características que podem conduzir ao sucesso dos videojogos para tablets. “Tudo para evitar sobrecarregar cognitivamente a pessoa. Ou seja, quando estou na rua, não quero ficar absorvido ao ponto de não ouvir a chamada para o último comboio que vai partir”, esclarece.

A necessidade de criar um produto que, não sendo completamente imersivo, consiga entusiasmar os jogadores constitui uma das missões mais complicadas para as empresas, mas não é impossível. “Um exemplo é o Pocket God que, através de pequenos episódios temáticos, contribui com um valor acrescentado e capta um público específico”, afirma a directora da GameInvest, referindo-se ao jogo criado pela empresa americana Bolt Creative, em que o jogador assume o papel de Deus e controla tudo o que se passa numa ilha. Contrariando a regra, o jogo foi desenhado primeiramente para plataformas móveis, passando pelas redes sociais e contando agora com a possibilidade de uma versão para consolas.

Aposta acertada

“Os tablets, assim como os smartphones, vieram trazer um novo impulso à indústria nacional de desenvolvimento de videojogos”, declara Nélson Zagalo. Para Mariana Cardoso, trata-se de uma aposta com “imensas vantagens”, em que as empresas podem colocar os produtos directamente à venda sem a intervenção das editoras.

Traduzido para valores monetários, segundo a directora da GameInvest, trata-se de um mercado que pode vir a valer 16 mil milhões de euros até 2015. A Gartner, líder mundial na consultoria tecnológica, refere que, em 2011, se venderam 60,017 milhares de tablets, número que deverá registar um aumento de 98%, para 369,259 milhares de unidades vendidas em 2016. Dentro dos sistemas operativos comercializados, o iOS, da Apple, lidera as tabelas.

Com a atenção voltada para os tablets, alcança-se novos públicos e tenta-se converter os adeptos das consolas e computadores. “O público mais fervoroso dificilmente encontra essa intensidade nos tablets, em que as capacidades gráficas não são tão potentes”, sublinha Mariana Cardoso, que agora encontrou no universo feminino e nos adolescentes novos clientes. Ana Almeida considera que o público das novas plataformas é transversal, sendo que o multiplayer que nos computadores se fazia online, permite reforçar a sua interacção.

O preço é um dos factores determinantes na migração das antigas para as novas plataformas. Na App Store, a Apple, um ano após o lançamento do iPad já permitia o download de mais de 100 mil aplicações gratuitamente ou a preços que variam, geralmente, entre os 79 cêntimos e os 6,99 euros. Já um jogo de consola ou computador ronda os 50 euros.

No que respeita aos videojogos desenvolvidos para consolas, as empresárias dizem não se tratar de uma concorrência directa, mas sim pelo tempo livre do jogador que tem à sua disposição mais plataformas de jogo. Ainda assim, estudos da ABI Research (Portable Gaming – Sony and Nintendo on Different Sides of the Mobile Fence) demonstram que a popularidade dos tablets tem ameaçado a produtividade de gigantes da tecnologia como a Nintendo e a Sony. Em 2008, os lançamentos de dispositivos móveis destas empresas foram de 47 milhões de unidades, número que rondará, apenas, os 38 milhões em 2013.

Tratando-se de segmentos de mercado diferentes, o das consolas mais reduzido e com um público mais fiel do que o dos tablets, na visão das gestoras, não podem ser considerados substitutos. Talvez até seja possível os jogadores passarem horas sentados confortavelmente no sofá com um tablet ou um smartphone, com a mesma naturalidade com que se entregam a uma consola ou computador, mas “vai haver sempre quem prefira a consola”, admite Mariana Cardoso. “O ecrã faz muita diferença. Assim que for possível ligar um tablet à televisão, já acho [esse cenário] mais provável”, justifica.

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