A insegurança feminina asiática criou um gigante na web

Um embelezador de selfies criado quase por acaso tornou-se num negócio de milhares de milhões. A Meitu é um fenómeno social na China e avança agora para a internacionalização, mas enfrenta barreiras culturais.

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As aplicações da Meitu, e especificamente a MeituPic, dominam as tabelas de vendas da loja iOS na China – um país cujo número de utilizadores de internet representa agora 20% do total mundial Philippe Lopez/AFP
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Apesar de ser popular sobretudo na Ásia, a Meitu utiliza rostos ocidentais para publicitar as suas aplicações de manipulação de imagem. DR

Olhos grandes, pele clara e um queixo pequeno. Apesar do recurso cada vez mais comum à cirurgia plástica durante viagens à vizinha Coreia do Sul, o ideal chinês de beleza feminina no século XXI continua a ser inatingível para centenas de milhões de jovens mulheres no gigante asiático. Mas não um telemóvel, com uma vaga de smartphones baratos a impulsionar um boom mobile no país. Ou uma app que promete a ilusão de uma tez clara e de feições ocidentais.

Na China, a Meitu aperfeiçoou o que no resto do mundo se tenta fazer com o Photoshop, criou filtros de imagem que com apenas um toque se adaptam com eficácia a qualquer rosto através de sofisticadas técnicas de reconhecimento facial, e construiu um império hoje avaliado em cerca de 3,3 mil milhões de euros.

Como em tantos outros casos, o sucesso foi quase acidental. Em 2008, ainda antes da febre da selfie, o investidor Cai Wensheng comprou a Wu Xinhong uma rede social falhada e transformou-a num plataforma online de edição de imagem para concorrer com o software da Adobe. Rapidamente, e como relata um perfil do Washington Post, a equipa reparou que uma grande parte dos utilizadores recorriam ao serviço para tentar retocar fotografias das suas caras.

O que surgiu como resposta a essa procura (uma ferramenta específica para embelezar rostos) acabou por se transformar num produto independente. A explosão da internet móvel e a ascensão da mulher chinesa como força consumidora fez o resto. As aplicações da Meitu, e especificamente a MeituPic, dominam as tabelas de vendas da loja iOS na China – um país cujo número de utilizadores de internet representa agora 20% do total mundial. E para além do software, há o hardware: a empresa sediada em Xiamen comercializa smartphones optimizados para tirar auto-retratos, com câmaras duplas de 21 megapixéis. O negócio já mereceu a atenção e o investimento de gigantes como a Foxconn (que fabrica componentes para a Apple, Amazon, Google e Microsoft, entre outros clientes).

Para lá dos números, há todo um fenómeno social. As fotos retocadas pela MeituPic são omnipresentes nas redes sociais e sites de encontros na China, e são comuns as reuniões de aficionados. “Hoje em dia, quando as meninas saem, isso significa apenas procurar um sítio para tirar fotografias para poder partilhar”, conta ao Washington Post Zhu Tingting, uma universitária de 24 anos que admite gastar duas horas por dia a tirar selfies.

Pode a receita da Meitu ser replicada noutros mercados que não o chinês? Se a insegurança em relação ao aspecto e, por outro lado, a vaidade são sentimentos universais, o conceito de beleza conhece tantas versões quanto o número de países, regiões e comunidades. Em 2015, o Buzzfeed filmou um grupo de mulheres norte-americanas a experimentar a aplicação BeautyPlus, uma das várias ferramentas da empresa chinesa. O filtro branqueador de pele foi geralmente recebido com desagrado. “Onde está o filtro bronzeador?”, perguntou uma das voluntárias.

Questionada sobre a função branqueadora, a Meitu afirma que quer adaptar os seus produtos às preferências de cada região. A empresa tem escritórios nos Estados Unidos, Reino Unido, Brasil, México e várias nações asiáticas. Para já, e sobretudo fora da Ásia, para marcar posição e estudar os diferentes mercados. Porque se hoje ainda poucos ouviram falar do nome da empresa chinesa por cá, a imprevisibilidade dos fenómenos virais e o apetite voraz por aplicações centradas na fotografia poderão um dia tornar as suas ferramentas em novos objectos do nosso quotidiano.

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