Programa de mentoria quer "aproveitar melhor competências" de imigrantes

O Governo reconhece que é preciso "aproveitar melhor as competências" dos imigrantes em Portugal, um dos objectivos de um programa de mentoria apresentado esta terça-feira na Assembleia da República.

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Manuel e Hermenegildo foram pioneiros passaram para o papel o sonho de uma grande exploração agrícola em Angola Rui Gaudêncio (arquivo)

O Programa Mentores para Imigrantes (PMI), da responsabilidade do Alto Comissariado para as Migrações, tem como objectivo "perceber melhor quem é que são os imigrantes que estão em Portugal", para "aproveitar melhor as competências, os seus talentos, os seus potenciais, as suas qualificações", disse o secretário de Estado Pedro Lomba, que tutela as migrações. No final da celebração dos protocolos de parceria com 39 entidades públicas e privadas que já aderiram ao PMI, o secretário de Estado sublinhou que o programa de mentoria "não é uma medida isolada" e existem outras "em curso" também destinadas a facilitar "o reconhecimento das competências e qualificações dos imigrantes", em que Portugal "tinha um atraso".

Embora se dirija a todos os imigrantes, o PMI revelou, durante a fase-piloto -- que envolveu 49 pares de mentores/mentorados -- um "particular interesse" por parte dos mais qualificados (com licenciatura ou mais estudos), com idades entre os 26 e os 45 anos. "É exactamente nessa faixa dos qualificados que encontramos mais esse desperdício de competências", justifica Pedro Lomba, referindo que esses imigrantes vêem no PMI "uma forma de poderem aumentar as suas redes de contactos e de conhecimentos" e "melhorar as suas condições de emprego".

A imigração em Portugal é hoje "mais qualificada" e, por isso, exige "respostas mais complexas", que não "estritamente laborais", o que implica "imaginação e criatividade" por parte das políticas públicas, reconheceu o secretário de Estado. Depois da fase-piloto, o Programa Mentores para Imigrantes será agora alargado a todo o território nacional e envolverá mais instituições -- ao todo, 39 autarquias, empresas, associações.

"Há mentores no mundo empresarial e no mundo académico. O que é inédito é usar este tipo de ferramenta enquanto medida de política social, em particular na área de integração de estrangeiros que vêm para Portugal. É um tipo de resposta social completamente novo, que apela a um conjunto de virtudes sociais que vão muito além daquilo a que muitas vezes chamamos "política social tradicional" anunciava Pedro Lomba numa entrevista ao PÚBLICO, publicada em Agosto deste ano . O sceretário de Estado explicava ainda o objectivo desta acção: "Queremos aumentar a integração de estrangeiros em Portugal, pensado nas suas qualificações, nas suas capacidades empreendedoras, mas pensado também nos portugueses, na sua capacidade e abertura para acolher estrangeiros. E no conhecimento mútuo. É significativo que uma das áreas mais trabalhadas no projecto-piloto tenha sido o empreendedorismo — precisamente porque da relação entre mentores e mentorados podem surgir hipóteses de iniciativas, associando os esforços portugueses e estrangeiros" 

Na mesma altura, o PÚBLICO contou a história de Manuel Ferreira, 57 anos, quadro do banco Montepio, e Hermenegildo Soares, 43 anos, com um curso de Direito por terminar. Nenhum deles percebia nada de agriicultura.  Mas Hermenegildo, descendente de camponeses, andava a amadurecer uma ideia havia algum tempo: fazer nascer nas vastas propriedades da família, no Norte de Angola, um grande projecto agrícola, como Angola ainda não conhecia. E criar “animais raros”, como gnus e búfalos.

Nunca tendo estado em Angola, mas sabendo os passos que é preciso dar para pôr no papel um projecto atraente para os investidores, o gerente bancário aceitou ser mentor de Hermenegildo, um angolano que vive em Portugal desde os anos 90. Participaram assim, os dois, numa experiência de apoio à integração de imigrantes que acabaria por dar origem ao Programa Mentores para Imigrantes, que foi apresentado esta terça-feira pelo Governo. 

“A ideia foi do Alto Comissariado para as Migrações (ACM). O GRACE funcionou como estrutura de mediação”, explicou ao PÚBLICO Paula Guimarães, presidente do GRACE — Grupo de Reflexão e Apoio à Cidadania Empresarial, que congrega uma centena de empresas. “Solicitámos às empresas nossas associadas que fizessem a divulgação interna do projecto de mentores. Os voluntários [candidatos a mentores] são normalmente pessoas que estão em posições de liderança, com vidas intensas, horários preenchidos.” Mas que vêem nesta ideia algo em que vale a pena apostar.

“Há pessoas com dificuldades de integração, até do ponto de vista cultural, com vontade de conhecer mais sobre a cultura do país, os hábitos, a história. E o mentor ajuda-os”, notava a presidente do GRACE. “O mentor também pode ajudar a pensar, a fazer análise crítica de um projecto que o mentorado tem... Cada pedido do mentorado é um pedido, cada caso é um caso.”

 

Domingas Carvalhosa, vice-presidente do Grupo de Responsabilidade e Apoio à Cidadania Empresarial (GRACE), envolvido no PMI desde o início, é mentora de um projecto que pretende sensibilizar para a situação das crianças com deficiência na Guiné-Bissau. Neste momento, os dois meses iniciais para que se voluntariou já esticaram para dois anos e passou de uma para duas mentoradas.

Foi com Ramatulai Baldé que tudo começou. "O programa contribuiu muito, porque me permitiu desenvolver um projecto que já tinha há muito tempo, mas não sabia como", disse à Lusa a imigrante guineense. O projecto SER -- "ser diferente mas iguais" -- já tem logótipo e está a ser legalizado. Para tal, Ramatulai Baldé contou com a ajuda de Domingas Carvalhosa, que a ajudou a "ver o que está certo e que o está errado" e a fazer os estatutos da instituição com que pretende sensibilizar para "a inserção social das crianças com deficiência" num país que as discrimina. "Entusiasmada com o entusiasmo" das mentoradas, Domingas recebeu mais do que deu. "Ah, ganhei tanto. Só a alegria que eu vejo nelas, de poderem melhorar o cantinho delas, o país delas...", partilhou com a Lusa.

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