Portugueses defendem reforço de verbas para tratar cancro mas não querem pagar mais

Estudo mostra que o cancro continua a ser a doença que mais preocupa os portugueses e que estes querem, por isso, mais dinheiro para tratamentos. Admitem também que têm pouca informação sobre o tema e que a rapidez do sector privado é cada vez mais um factor que valorizam.

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A qualidade dos médicos do sector público é uma das coisas que os doentes mais valorizam no SNS Paulo Ricca

O cancro é a doença que mais preocupa os portugueses, sobretudo por associarem este diagnóstico a uma taxa de mortalidade elevada. Cancro é também a palavra escolhida pelas pessoas quando questionadas sobre a patologia que consome mais dinheiro no país. Apesar de terem esta ideia, os cidadãos consideram que a oncologia é uma das áreas que precisa de mais reforço de verbas. No entanto, entendem que o aumento do orçamento deve ser feito através de uma redistribuição do dinheiro actualmente existente, não estando disponíveis para pagar mais. As conclusões, antecipadas ao PÚBLICO, fazem parte do estudo Os Portugueses e o Cancro, feito pela GfK, e que será apresentado nesta terça-feira, em Lisboa.

O trabalho foi feito no âmbito do projecto Think Tank Inovar Saúde 2015, uma iniciativa da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), com o apoio da farmacêutica Roche. Para isso foi realizado um inquérito a 1207 portugueses com mais de 18 anos e a residir no país. A informação foi recolhida através de entrevistas directas e pessoais feitas entre 6 e 17 de Novembro com o objectivo de perceber a relevância do cancro entre os inquiridos, o acesso a cuidados de saúde e também percepções sobre o financiamento ou do papel da sociedade na área da saúde.

O director da GfK, António Gomes, destaca que “não é por vontade dos cidadãos que o investimento em oncologia deverá abrandar”. Ao mesmo tempo que 59% das pessoas indicam a saúde como a área onde consideram que é gasto mais dinheiro público (logo seguida pela segurança social e pela educação), 83% defendem que é necessário ainda mais. Concretamente sobre o cancro, 59% das pessoas referem-no como a doença onde se gasta mais, seguida pelas doenças do coração e pela diabetes, mas 84% também defendem que as verbas ainda deveriam ser maiores. No entanto, só 15% das pessoas admitem estar “muito disponíveis” para pagar mais directamente para o cancro – até porque dizem já pagar impostos muito elevados.

“Estamos a sair de uma crise a que certamente não será alheia está falta de disponibilidade para um esforço adicional”, destaca António Gomes. Entre os que estão disponíveis para pagar mais, a esmagadora maioria entende que esse dinheiro deveria ser visto como uma espécie de poupança para o caso de virem a ter um cancro. A segunda resposta mais frequente entre quem admite pagar mais aponta para que o dinheiro seja investido em instalações e equipamentos mais modernos, mas também no aumento dos médicos a trabalhar na área da oncologia nos hospitais públicos.

Esta é já a terceira edição do Think Tank da ENSP. À semelhança dos outros anos, o inquérito conclui que o cancro continua a ser a doença que mais preocupa os portugueses. Ainda assim, há algumas alterações. Depois dos tumores malignos, as doenças do coração são as que mais preocupam os portugueses, seguidas pelo Alzheimer e pela diabetes. Em 2014, no pódio estava também o ébola, que neste ano desapareceu totalmente da lista. Concretamente sobre o cancro, 27% dos participantes têm esta preocupação com a doença por associarem os tumores a uma taxa de mortalidade elevada e 20% dizem que é por não ter cura. Há ainda 16% de pessoas com receio por causa da hereditariedade.

Numa altura em que se fala cada vez mais da importância de os cidadãos participarem mais nas decisões na área da saúde, o estudo procurou também perceber a percepção sobre este tema. António Gomes sublinha “o grande bom senso” das respostas. Isto é, os portugueses queixam-se por não serem ouvidos e gostavam de ser auscultados, mas reconhecem que têm pouca informação sobre o assunto para irem mais longe e influenciarem, por exemplo, a distribuição das verbas. O desconhecimento está patente em algumas respostas, como a proveniência das verbas que pagam os cuidados públicos de saúde. Quase 80% dos inquiridos reconhecem os impostos como a principal fonte, mas 22% colocam as taxas moderadoras em segundo lugar – quando na realidade representam menos de 1% do orçamento do Serviço Nacional de Saúde.

Os cidadãos estão, ainda, numa outra fase de procura de informação e, por isso, em 69% dos casos apontam a prevenção como a área sobre a qual gostariam de receber mais dados. Depois, 51% dos entrevistados destacam a informação sobre sintomas do cancro como o que sentem mais falta, seguindo-se os tipos de tratamentos disponíveis (47%) e as causas associadas ao aparecimento de vários tipos de cancro (41%).

Talvez por isso, apenas 37% dos inquiridos dizem que gostariam de ter uma participação mais activa na distribuição do orçamento da saúde, sobretudo por quererem ajudar a área a arrecadar mais verbas, mas também por quererem saber para onde vai o dinheiro. Entre os 63% que dizem que não quereriam participar de forma mais activa, quase metade defende-se justificando que não tem conhecimentos e qualificação. Há ainda 15% de pessoas que reconhecem simplesmente que não têm interesse.

Outra das mensagens importantes está na percepção sobre a qualidade dos serviços. António Gomes explica que entre os inquiridos que já tiveram cancro ou que acompanharam de perto alguém conhecido há cada vez mais uma boa imagem do sector privado. A falta de dinheiro é, muitas vezes, o único motivo para os doentes ficaram no Serviço Nacional de Saúde – com a rapidez do acesso aos hospitais privados a ser cada vez mais entendida como uma vantagem. Ainda assim, a qualidade global do serviço de oncologia e a qualidade dos médicos do sector público continuam a ultrapassar a visão que os inquiridos têm do privado.

Sobre este tema em concreto, Ana Escoval, professora da ENSP e coordenadora do Think Tank Inovar Saúde 2015 ressalva que é preciso ter em consideração que “muitos dos casos de cancro que são tratados no sector privado são financiados ou pagos com verbas públicas”. A especialista dá como principal exemplo o caso da ADSE, mas também de alguns exames complementares de diagnóstico e terapêutica que os hospitais públicos encaminham para os convencionados.

A investigadora entende que é preciso precisamente rever a forma como as verbas públicas estão a ser canalizadas entre o Serviço Nacional de Saúde e o privado, para assegurar a qualidade dos cuidados. Esta é, aliás, uma das ideias presentes num outro trabalho que será apresentado na mesma sessão e que decorre das conclusões de um grupo de reflexão multidisciplinar orientado pela ENSP no âmbito do mesmo think tank.

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