Por enquanto

Que bom seria se pudéssemos viver sem pensar na vida.

Viver é difícil. Fácil é ainda não ter nascido ou já ter morrido. Viver é um favor que não se sabe quando acaba – nem como pagar – mas que se sabe, logo à partida, que vai acabar antes de nos apetecer.

Todos os dias sinto que foi mais um dia que me foi dado e, ao mesmo tempo, mais um dia que me foi subtraído, que jamais hei-de recuperar.

O poeta punk John Cooper Clarke, que foi punk antes do punk, gosta de ler alto um poema dele que diz "I'm the luckiest guy alive, just waiting for the trouble to arrive".

É uma atitude fadista, tão manchesteriana como lisboeta. Ou irlandesa. Ou judia. Ou infelizmente universal: se as manhãs estão bonitas, é caso para alarme porque, mais tarde ou mais cedo, vamos pagá-las.

São só versões microscómicas do "vamos todos morrer". A reacção mais sadia parece ser a de "estar aqui para as curvas". Não só não se diz mal das curvas – que desequilibram e assustam – como se diz que estamos aqui para elas.

Seria bom haver um truque para não estar sempre a pensar nos antecedentes e nas continuações dos momentos. O mal já está em querer que haja um truque.

Também gosto do português "por enquanto..." Está-se bem, por enquanto. Por enquanto, ainda não houve azar. Não se espera outra coisa – o pior pessimismo é autorizado – mas, por enquanto, até que nem se está mal.

Mas é assim que nos custa mais viver, precisamente. Que bom seria se pudéssemos viver sem pensar na vida. Ou ser constantemente lembrado que ela existe.

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