O inferno depois do Inverno

Com o aproximar do Verão, é recorrente falar-se em ‘época dos incêndios’ como se de uma inevitabilidade se tratasse. Quando flagelada pelos incêndios, a floresta portuguesa expõe a nu, ano após ano, as suas fragilidades.

Em 2013, arderam 141 mil hectares, área apenas superada na década passada em 2003 (425 mil) e 2005 (339 mil) (ICNF). As causas são sobejamente conhecidas, desde a desertificação do interior – em 1960, 15,6% da população portuguesa trabalhava no setor de agroflorestal; em 2011, essa percentagem estava reduzida a 1,1% (INE) –, às deficiências graves de cadastro e registo da propriedade, passando por uma quase inexistência de gestão do setor florestal, cuja estrutura é do tipo minifúndio – 85% da propriedade florestal é propriedade de mais de 400 mil pequenos proprietários. As alterações climáticas são apenas uma pequena parte da problemática dos incêndios florestais.

A classe política tem dificuldade em lidar com as florestas pois as árvores não votam e o seu ritmo de crescimento não se compadece com as pressas da nossa sociedade, sendo infinitamente menor que um ciclo eleitoral. A função estruturante do território, o que representa para a economia nacional – 10% das exportações, 1,55% do PIB (2011) e emprego para 1,4% da população ativa nacional – e ainda a função de fornecedora de um importante conjunto de serviços ambientais, exigem que o Estado não se demita, mas sim se empenhe em adquirir maior propriedade florestal e em melhorar a regulação dos privados, sobretudo os que não gerem as suas propriedades, face à amplitude e gravidade desta problemática dos incêndios florestais.

Portugal é o país da União Europeia com menos floresta pública. Apenas 3% pertence ao Estado (os restantes 12% são baldios). Por outro lado, em termos de gestão, apenas cerca de um terço da floresta é efetivamente gerida, pelo Estado e privados, contrariamente a outros países em que a floresta é gerida praticamente na sua totalidade, nomeadamente do norte da Europa.

Para ultrapassar a dimensão das unidades empresariais agroflorestais, vital para a sua viabilidade económica, social e ambiental, o Governo criou, em 2005, a figura das Zonas de Intervenção Florestal (ZIF). Até 2012, foram constituídas 161 ZIF, que abrangem uma área total de 846 mil hectares, correspondendo a mais de 20 700 proprietários aderentes (ICNF). As ZIF continuam, no entanto, rodeadas de grande expectativa, desconhecendo-se, ainda, se terão capacidade de dar resposta aos problemas de gestão florestal. E, como é sabido, diretamente associada à gestão estão as formas de financiamento. Neste aspeto, os quadros comunitários poderiam ter sido uma solução.

Atualmente, está disponível o PDR 2014-2020 (Plano de Desenvolvimento Rural), a financiar pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER), que pretende promover a biodiversidade na floresta com várias dimensões, a par de uma agricultura sustentável, pelo que não deve ser desperdiçado.

Uma conclusão parece evidente, enquanto não se garantir rentabilidade aos proprietários, não se chegará a uma solução viável para toda a problemática que gira à volta da floresta, nomeadamente os incêndios florestais. Compensar os proprietários florestais pelos serviços ambientais que o mercado não reflete, seria uma forma de valorizar a floresta.

Professora da Faculdade de Economia e Gestão da Católica Porto

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