Nenhum português se queixou à ONU por violação de direitos económicos e sociais

Comité vai analisar duas queixas de cidadãos de Espanha, uma das quais relacionada com a alegada violação do direito à habitação.

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EUA romperam compromisso histórico de não vigiar a ONU Peter Morgan/REUTERS

A possibilidade existe há cerca de um ano. Mas nenhum cidadão de Portugal se dirigiu ao Comité dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais (DESC) das Nações Unidas, queixando-se do Estado português não estar a cumprir aquilo a que se comprometeu internacionalmente no que diz respeito a este tipo de direitos — como o direito à saúde ou ao trabalho — que, diz Victor Nogueira, presidente da Amnistia Internacional Portugal, “há quem considere que são um luxo”.

A informação foi avançada nesta terça-feira no primeiro dia de um curso de Verão promovido pela Amnistia Internacional Portugal, o Instituto Europeu e o Instituto de Direito Económico, Financeiro e Fiscal da Faculdade de Direito de Lisboa. O tema do curso, que conta com peritos nacionais e estrangeiros, é uma pergunta: Crise Económica: Crise de Direitos Humanos?

O Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, de que Portugal é signatário desde 1976, estabelece, por exemplo, que os Estados têm de tomar as “medidas apropriadas” para que as pessoas possam ver realizado o seu direito a “um nível de vida suficiente para si e para as suas famílias, incluindo alimentação, vestuário e alojamento suficientes”. Reconhece também o direito de todos a “ganhar a vida por meio de um trabalho livremente escolhido ou aceite”. Só para dar dois exemplos.

Até agora, o Comité dos DESC pouco mais podia fazer do que emitir recomendações e “dialogar” com os países — Portugal apresenta-se para “avaliação” em Novembro. Mas há um ano, entrou em vigor um protocolo facultativo, espécie de adenda ao Pacto, também assinado por Portugal. E com ele abriu-se a possibilidade dos cidadãos dirigirem-se directamente ao Comité. E queixarem-se se entendem que os seus direitos estão a ser violados.

Esta será a possibilidade do Comité de DESC ser mais incisivo e dizer, claramente: “Este país violou este ou aquele direito em relação a esta ou aquela pessoa”, diz Virgínia Brás Gomes, perita do Comité das Nações Unidas.

Dos 14 países signatários do protocolo (apenas os cidadãos desses países podem queixar-se), só chegaram duas denúncias até agora, explicou. Ambas são de Espanha, “uma está relacionada com o direito à habitação e a outra com uma questão relacionadas com pensões”. A perita não estranha que sejam poucas as queixas: diz que é preciso tempo. Poucos sabem desta possibilidade. Que, de resto, só funciona se se prova que os tribunais nacionais ou outras entidades não responderam à queixa ou não o fizerem em tempo útil. A perita admite que não será fácil analisar estes casos. E que em tempo de crise muitos Estados dirão que é impossível cumprir alguns dos direitos do Pacto.

Virgínia Brás Gomes sublinha: do que se trata é de verificar se as políticas adoptadas conduzem ao cumprimento dos direitos ou não. Por exemplo: “O pacto diz que as pessoas têm direito ao trabalho. Não significa isto que o Estado tenha de garantir trabalho a todos, numa altura x. Os Estados têm é de fazer todos os esforços necessários à criação de condições para o pleno emprego. Ninguém pode pôr o Estado em tribunal por haver desempregados, não funciona assim, não seria razoável.”

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