"Não são só os médicos que estão descontentes"

No maior hospital do país, muitos doentes colocam-se ao lado dos médicos. Hospital de Santa Maria com adesão à greve de 32%.

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Uma manhã de greve no Hospital de Santa Maria, o maior do país Daniel Rocha
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No Hospital de Santa Maria, em Lisboa, além de cartazes junto aos portões da unidade de saúde, poucos são os sinais da greve dos médicos. A maior diferença, dizem os utentes, é que há menos gente a circular no hospital e o tempo de espera pelas consultas é inferior ao normal. Mesmo assim, o presidente da administração deste centro hospitalar, Carlos Neves Martins, adiantou que a adesão da classe médica ficou, até às 10h30, nos 32% – mas a falta de um terço destes profissionais foi minimizada por muitas remarcações do que estava agendado.

Segundo o administrador, estavam na escala 873 médicos para a manhã desta terça-feira e não compareceram 280. A especialidade de anestesiologia foi a que registou uma adesão mais elevada à greve, na ordem dos 68%, o que acabou por afectar várias intervenções. Ao todo, no bloco central, houve 12 cirurgias que ficaram por fazer.

"Houve praticamente um terço da produção que não se realizou durante a manhã. A greve dos médicos, independentemente da sua taxa de adesão, acaba por ter impacto nas outras profissões, pois em muitos casos são necessárias equipas. Vamos ter de fazer um esforço adicional para recuperar estes dois dias. Vai ser uma taxa de esforço não só do ponto de vista dos serviços, mas da própria instituição em termos financeiros, com mais horas extraordinárias e produção adicional para que o doente não seja prejudicado", declarou aos jornalistas.

Carlos Neves Martins, que também preside à comissão tripartida de negociação entre os sindicatos, a Ordem dos Médicos e a tutela, considera que "esta greve não era esperada" e destaca que, ao contrário de 2012, este protesto não conta com o apoio do Sindicato Independente dos Médicos. Sem adiantar números da greve de há dois anos, admite, porém, que na altura a união sindical contribuiu para a maior expressão da paralisação. Apesar de respeitar este direito, diz que vê a greve como "uma última arma" que não se justifica perante o número de encontros e negociações que têm acontecido desde 2013, destacando os concursos que foram abertos para novos médicos, num total de mais de 4000 vagas, e para progressão na carreira, num total de 6000 médicos "que tiveram a possibilidade de passar a consultores ou chefes de serviço". Disse ainda que a comissão tripartida teve 11 encontros no período de ano e meio e "centenas de horas de negociação".

Para Federação Nacional dos Médicos há, porém, motivos para repetir o protesto de 2012, destacando esta estrutura os “emaranhados legislativos” que têm vindo a ser produzidos. Motivos que, em alguns casos, Carlos Neves Martins entende que são criados a partir de falsas questões. E dá como exemplo o código de ética e conduta, que ficou conhecido como “lei da rolha” pelas referências a limitações à liberdade de expressão, que foi “alterado pelo ministério e que continua a ser referido pelos sindicatos”.

"O doente agiu preventivamente"
Sobre os actos que ficaram por realizar o presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar de Lisboa Norte adiantou que já estão a tratar das remarcações de consultas e cirurgias – mas explicou que também houve muitos casos em que "o doente agiu preventivamente" e ficou em casa, quando o médico veio, "em resposta ao apelo do bastonário, que teve o seu efeito". O administrador disse que por isso quem faltou não será prejudicado, mas salientou que "há profissionais que estão no seu posto de trabalho e que não tiveram capacidade de resposta por ausência dos seus doentes".

Carlos Neves Martins afirma que muitas equipas trataram antecipadamente das coisas para evitar prejudicar os doentes nestes dias, mas estima que ainda haja um "custo adicional significativo" para o hospital, que terá de responder ao que ficou por fazer "sobretudo à custa de trabalho extraordinário". "No fundo o contribuinte vai pagar duas vezes", insistiu, em referência ao que não se realizou e que será agora pago a um custo mais elevado.

No hospital, só a presença do líder do MRPP, Garcia Pereira, no corredor do edifício das consultas, em jeito de observador, denuncia que o dia é diferente. Ao PÚBLICO Garcia Pereira explicou que veio a este hospital "manifestar solidariedade" para com os profissionais de saúde que estão a aderir a esta greve de dois dias contra a "destruição do SNS" e as "afirmações vagas e destituídas de conteúdo do ministro da Saúde".

Quem passa vem, regra geral, de consultas, exames e tratamentos que estavam marcados e que decorreram como era suposto. António Balsinha, de 66 anos, teve a sua consulta de endocrinologia e esperou "menos do que num dia normal". Mas se o seu médico tivesse aderido à greve compreenderia: "Estaria no seu direito e teria o meu apoio, pois deviam ter ordenados e condições de trabalho muito melhores."

A solidariedade em relação à greve é uma constante. Quem vem das consultas tece elogios aos profissionais e ao hospital, mas reconhece que é tempo de protestos. Fátima Alves, 66 anos, veio com o marido da consulta de oftalmologia. O médico ligou-lhes ontem a confirmar que podiam vir que ele estaria. Se não estivesse, o casal ficaria ao lado do profissional de saúde. "Não são só os médicos que estão descontentes. Os utentes também estão a ser muito prejudicados pelo Governo", assegura Fátima.

Maria José e Júlio Louro, de 69 e 76 anos, respectivamente, vieram também para uma consulta de oftalmologia, depois de Maria José ter sido operada às cataratas na segunda-feira. "Os médicos portugueses são muito responsáveis, são os melhores. É uma pena destruírem isto. Eles dobram-se e desdobram-se e só não vê quem não quer que caminhamos para um buraco." A opinião é corroborada por Júlio Louro, que foi colega de escola de António Arnaut e que sempre acompanhou com "carinho" o crescimento do SNS: "Felizmente tenho assistido a uma humanização do acto médico, a profissionais cada vez mais dedicados. Mas com esta política neoliberal de transferência de tudo o que é da esfera do Estado para o privado vejo a greve como necessária."

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