Ministra da Justiça insiste em fazer julgar de forma sumária crimes graves

Paula Teixeira da Cruz reiterou intenção de restringir o número de instituições que podem fazer escutas e adiantou que projecto sobre a matéria está concluído e vai ser sujeito a debate público.

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Não faz sentido que os cidadãos possam ser escutados por 19 corpos policiais diferentes, diz ministra Foto: Nuno Ferreira Santos

A ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, afirmou neste domingo que vai manter o que “de bom” existe nos julgamentos sumários para crimes graves, depois da declaração de inconstitucionalidade da sua aplicação. Embora a governante não tivesse explicado como pretende contornar o chumbo da sua lei pelo Tribunal Constitucional, alguns especialistas consideram que uma das soluções poderá passar por fazer estes julgamentos não apenas com um juiz, mas com um colectivo de magistrados.

Na quinta-feira soube-se que o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade da norma que prevê a realização de julgamentos sumários feitos por um juiz nos crimes com pena superior a cinco anos em que o criminoso seja apanhado em flagrante delito. “O julgamento através do tribunal singular oferece ao arguido menores garantias do que o julgamento em tribunal colectivo” com três juízes, “porque aumenta a margem de erro na apreciação dos factos e a possibilidade de uma decisão menos justa”, justificou o Constitucional.

Embora ressalve que o ministério pode ter outras hipóteses em vista, o advogado e penalista Rui Patrício, que discorda da decisão do Constitucional, entende que substituir o julgamento de um juiz por um colectivo é neste momento “incontornável”. Rui Cardoso, do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, recorda que tem defendido esta solução, ou seja, que “acima dos cinco anos, no processo sumário, se utilize o tribunal colectivo”.

À margem do segundo encontro da Rede Nacional de Procuradores Contra a Corrupção, em Mafra, a ministra disse não “perfilhar da orientação maioritária” do Constitucional e acrescentou que os arguidos “podem sempre pedir que o processo sumário se converta em comum”. Ressalvou que a decisão dos constitucionalistas será “naturalmente” acatada, mas que o ministério já está “a trabalhar na manutenção do mesmo objectivo” que queria alcançar com a medida: a rapidez. “Estamos neste momento a rever a situação, de forma a mantermos aquilo [que] de bom se tem provado com os sumários, porque, de facto, temos tido situações em que o processo sumário foi aplicado a situações puníveis com penas de prisão superiores a cinco anos e sem nenhuma diminuição de garantias dos arguidos”, afirmou.

Embora ressalve que é “melhor” haver a intervenção de um colectivo do que apenas um só juiz, o docente de Direito Penal da Universidade do Porto André Lamas Leite mostra reservas: “Preocupa-me muito que o Estado admita, por exemplo, num processo por homicídio qualificado, mesmo com um tribunal colectivo, poder aplicar uma pena que no máximo pode ir até 25 anos, num processo rápido como este. Porque me parece falaciosa a ideia de que a detenção em flagrante delito implica sempre que a prova seja simples e evidente”, alerta, explicando que “a prova pericial é muito lenta”.

“O que vai acontecer é termos aquilo a que chamamos um direito penal simbólico, termos na lei a possibilidade de haver um julgamento num prazo curto, mas depois, na prática, como não conseguimos realizar uma prova pericial num período de tempo curto acaba por haver um reenvio do processo para a forma comum”, antevê. Para André Lamas Leite, a insistência do Governo nesta questão é uma “marca de populismo penal”: “Pode render votos ter escrito na letra da lei um julgamento mais rápido, mas depois, na prática, ele não se aplica”.

O alargamento dos julgamentos sumários foi uma das bandeiras de Paula Teixeira da Cruz, por entender que “possibilita uma justiça célere que contribui para o sentimento de justiça e o apaziguamento social”. Na exposição de motivos da proposta de lei, acrescentava-se que a lei apenas permitia estes julgamentos em crimes cuja punição correspondesse a pena de prisão não superior a cinco anos ou quando, ultrapassando essa pena abstracta, o Ministério Público entendesse que não devia ser aplicada pena superior a esses cinco anos.

A ministra também anunciou que está concluído e será sujeito a debate público o projecto destinado a limitar o número de órgãos de polícia criminal autorizados a fazer escutas, uma vez que neste momento há 19 corpos policiais que o podem fazer. Para a governante, “não faz nenhum sentido” que qualquer cidadão possa “ser escutado por 19 instituições, incluindo, por exemplo, a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica - ASAE”.

Rui Patrício entende que não só há um “excesso de entidades” a fazer escutas como se recorre “em demasia” a este expediente como meio da obtenção da prova: “Muitas vezes sem sequer haver a preocupação de corroborar as escutas com outros meios de prova”, observa. E se André Lamas Leite defende que apenas a Judiciária devia fazer escutas, Rui Cardoso entende o problema não é o excesso de instituições a fazerem escutas, mas o “conjunto excessivo de instituições a fazer investigação criminal”.

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