Há colégios de ensino especial que não abrem portas em Janeiro

Associação do Ensino Particular denuncia dívidas do Estado. Diz que não foi paga qualquer quantia referente a serviços educativos, alimentação e transportes. Ministério da Educação garante que já quase tudo foi pago no ensino especial. E que "restam apenas situações pontuais" por resolver.

Foto
“São crianças e jovens sem outra alternativa educativa", diz Aeep enric vives-rubio

A Associação de Estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo (Aeep) denunciou nesta terça-feira aquilo que classifica como a “situação dramática dos colégios de ensino especial e dos conservatórios do ensino artístico especializado”. Diz que “o Estado ainda não pagou aos colégios qualquer quantia referente aos serviços educativos, alimentação e transportes, prestados desde Setembro de 2014”. E que na próxima semana alguns não abrirão portas.

Os colégios do ensino especial são frequentados por crianças e jovens “com necessidades educativas especiais particularmente graves”. A dívida do Estado a estes estabelecimentos “ultrapassa, neste momento, os 1.200.000 euros, envolvendo oito instituições, mais de 250 trabalhadores e mais de 700 alunos”, segundo o comunicado da Aeep.

Contactado pelo PÚBLICO, o Ministério da Educação e Ciência diz, em resposta por escrito, que "os pagamentos às 77 entidades que celebraram contratos de cooperação, no âmbito do ensino especial, já foram regularizados, restando apenas situações pontuais".

Fernanda Martins, do Externato Alfredo Binet, em Lisboa, onde o pagamento não chegou, garante que nos próximos dias irá contactar os pais dos seus alunos para explicar que não há condições para continuar. “São alunos com défices cognitivos, problemas emocionais graves a quem a escola pública não conseguiu dar resposta", explica.

“Temos ordenados ao funcionários em atraso, dívidas à Segurança Social, temos feito o possível, pedindo empréstimos à banca para as despesas, e empréstimos pessoais. Os trabalhadores também têm pedido empréstimos a familiares” para fazerem face às suas despesas, diz Fernanda Martins. Mas não é possível continuar, prossegue, acrescentando que a verba que o Estado deve ao Externato está ainda dependente de um visto do Tribunal de Contas (TC).

Alguns dos alunos do Externato Alfredo Binet, nota, vivem em instituições, nomeadamente por terem sido retirados às famílias pelos tribunais. Por causa das suas dificuldades, continua, os alunos deste estabelecimento de ensino precisam de turmas pequenas e equipas técnicas especializadas.

Cabazes para professores
Maria João Gouveia, directora pedagógica do Colégio Eduardo Claparede, em Lisboa, onde também nenhum dinheiro chegou, diz igualmente que nos próximos dias vai informar os pais dos alunos que que as actividades serão suspensas. “Já não temos condições.” E explica que os alunos destas escolas estão ali depois de já terem passado, sem sucesso, pelas escolas regulares e depois do Ministério da Educação se ter comprometido a financiá-los.

“São crianças e jovens sem outra alternativa educativa, especialmente frágeis, a quem o Estado deveria tratar não apenas com a mesma dignidade com que trata os cidadãos em geral, mas com redobrados cuidado e zelo”, acrescenta o comunicado da Aeep.

A 5 de Novembro, estes colégios de ensino especial associados da Aeep já tinham tornado pública a situação em que se encontravam. Seis dias depois foi publicada a portaria que define os contratos de cooperação e o montante dos mesmos com as escolas particulares de educação especial. Nela enumeram-se 14 estabelecimentos. Oito deverão receber este ano lectivo montantes (que variam entre os 394 mil euros e os mais de 700 mil euros) que obrigam ao visto do TC.

Mas “chegados ao dia 30 de Dezembro, o Estado ainda não pagou”, informa a Aeep, e “os colégios têm dezenas de trabalhadores com salários em atraso, dívidas ao fisco e à Segurança Social e dívidas aos fornecedores (...) Temos neste momento, docentes e não docentes em situação financeira desesperada e a viver de apoios de terceiros. Nada justifica o prolongamento desta situação.”

No ensino artístico especializado a situação não é melhor, segundo a Aeep. Prossegue o comunicado: “A dívida ultrapassa neste momento os 3.000.000 euros e respeita a 15 escolas.”

Também em resposta ao PÚBLICO, o ministério de Nuno Crato fez saber que "quanto ao ensino artístico especializado, as transferências em falta deverão ser regularizados muito em breve".

Estas escolas de múisca ou dança recebem alunos do ensino básico e secundário que as frequentam "de forma totalmente gratuita, pagos pelo Ministério da Educação e Ciência”, segundo a Aeep. Que continua: “Por incumprimento do Estado, estas escolas deixaram já de cumprir as suas obrigações contratuais. Fomos informados que há já casos de docentes que foram despojados por falta de pagamento de renda de casa, docentes a quem os bancos aumentaram o spread do empréstimo à habitação por causa de incumprimento no pagamento da prestação e docentes que vivem da caridade dos pais dos alunos que têm contribuído com cabazes alimentares.”

Na zona da grande Lisboa, há escolas que entrarão em falência técnica no início de Janeiro e deixarão de poder continuar em funcionamento, confirma Pedro Figueiredo, da Escola de Música de Nossa Senhora do Cabo, em Linda-a-Velha. Nota, contudo, que a situação não é melhor no Centro e no Norte do país onde “há professores com três e quatro meses de salários em atraso” e escolas onde “os pais se estão a organizar para arranjar cabazes para ajudar os professores”.

“Cinco em 27 escolas não aguentam mais” e deverão suspender actividades em Janeiro, acrescenta. Frequentam o ensino artístico especializado cerca de 25 mil alunos financiados pelo Estado.

Notícia actualizada às 20h00, acrescenta reacção do MEC

Sugerir correcção
Ler 4 comentários