Ex-autarca deixou carta a explicar mortes e pediu para alertarem a GNR

Aires Ferreira, anterior presidente da Câmara de Torre de Moncorvo preparou o próprio funeral e o da ex-mulher que também deixou carta. Foram encontrados na cozinha com a arma ao lado.

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Miguel Nogueira

O primeiro alerta para a morte, nesta terça-feira, de Aires Ferreira, o antigo presidente da Câmara de Torre de Moncorvo, foi uma carta deixada à empregada de limpeza. Pela manhã, a funcionária encontrou uma missiva na sua casa, no Bairro das Aveleiras. Nela, as instruções eram de que deveria dirigir-se à residência da ex-mulher do autarca no centro do concelho acompanhada pela GNR. Assim fez. Pelas 11h45, quando a polícia e empregada chegaram, encontraram os dois corpos na cozinha e a arma junto a Aires Ferreira.

Na carta, o autarca socialista, de 59 anos, que liderou os destinos da autarquia durante 28 anos e passara agora a deputado municipal, justificava a razão das mortes apontando para doenças de que ambos padeciam. Estas não foram, porém, reveladas pelos investigadores.
 
Quando as autoridades chegaram, encontraram o carro de Aires Ferreira junto à casa da mulher de quem se divorciara há cerca de quatro anos. Teria sido ali estacionado cerca das 22h de segunda-feira, segundo fonte policial. Era aquela a hora a que habitualmente se encontrava com Maria Alice Brito, de 55 anos, que fora também sua assessora na autarquia e com quem havia reatado recentemente uma relação.
 
Na habitação, a polícia encontrou também uma carta da ex-mulher para uma colega de trabalho na autarquia. Dirigida à secretária do presidente do município, explicava o sucedido e sublinhava a intenção de lhe deixar toda a roupa. Ao final da noite de segunda-feira, a secretária era ainda ouvida na GNR por inspectores da PJ. Vários familiares, incluindo o seu marido, confirmaram, então, a informação ao PÚBLICO.
 
Perante as várias cartas, a PJ acredita que tudo foi premeditado por ambos, apesar de manter formalmente a linha de investigação de que Aires Ferreira disparou um tiro na nuca de Alice Brito, pondo depois termo à sua vida com a arma que já tinha há vários anos, uma 6,35 milímetros legalizada.
 
O antigo presidente da câmara terá também preparado o funeral. Na carta dá indicações sobre a cerimónia fúnebre de ambos, para a qual deixou dinheiro reservado à família. O autarca sublinhou querer ser cremado para que as suas cinzas sejam atiradas ao rio Sabor.
 
“Eles nunca andavam bem. Não ouvi nada. Nenhum barulho, discussão ou tiro. Deve ter sido durante a noite”, disse Mariano Pêgo, vizinho. Helena Gouveia, que tem escritório de advocacia ao lado da casa onde ocorreu o crime no número 1 da Rua do Castelo, sublinhou também não ter ouvido nada.
 
“Cheguei pelas 9h e o carro dele já cá estava à porta. Achei estranho. Depois é que vi a polícia a chegar com a empregada em desespero”, contou a advogada ao PÚBLICO. “Eram pessoas reservadas. Frequentava o ginásio Body Play, o único que cá existe, e ela nunca me contou nada que antecipasse isto”, acrescentou ainda.
 
Outros vizinhos, que preferiram não se identificar, contaram porém ao PÚBLICO que, no último domingo, terá sido bem ouvida uma discussão entre o casal. Se para Aires Ferreira era fácil assumir publicamente o reatar da relação, para a ex-mulher essa não seria uma hipótese, comentavam nesta terça-feira vários habitantes no Café Central.
 
“Que desgraça. Vejam lá o que foi acontecer”, exortava o padre da paróquia, João Barros, em passo acelerado e com os olhos deitados ao chão. Conhecia-o bem, explica, e por isso, emocionado, não lhe sai mais nenhuma palavra.
 
A PJ esteve no local a realizar diversas perícias para a procura de indícios que confirmem a tese de homicídio seguido de suicídio. Isto porque sobrava ainda nesta terça-feira uma dúvida. Aires Ferreira foi encontrado, com um disparo na cabeça, mas ainda sentado numa cadeira da cozinha com a arma pousada à sua frente. Não caiu após o tiro, pelo que os investigadores ficaram intrigados.
 
Amigos e adversários de Aires Ferreira recordam um homem “de convicções”, mas também uma relação complicada com a ex-mulher e o vazio sentido com a perda de protagonismo no dia-a-dia de Moncorvo poderão estar na base deste desfecho. Aires Ferreira atingiu o limite máximo de mandatos como presidente da câmara, acabando por se candidatar à Assembleia, tendo sido derrotado.

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