Ensino artístico: Ministério da Educação ignora Parlamento

Regulamento dos exames do secundário mantém as normas transitórias que foram aprovadas por Nuno Crato.

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Parlamento recomendou ao Governo alteração das condições de acesso ao superior dos alunos do ensino artístico ADRIANO MIRANDA

O Ministério da Educação (ME) ignorou a resolução aprovada em Fevereiro pelo Parlamento, em que se recomenda ao Governo que altere as condições de acesso ao ensino superior dos alunos do ensino artístico especializado definidas pelo anterior ministro, Nuno Crato. O regulamento dos exames do ensino secundário, publicado em Diário da República nesta sexta-feira, não contempla, com efeito, nenhuma das recomendações constantes da resolução que foi aprovada com os votos a favor do PS, BE e PCP no sentido de “garantir a igualdade de oportunidades aos alunos do ensino artístico especializado no acesso ao ensino superior e a sua não descriminação face aos alunos dos cursos científico-humanísticos”.

Este ano lectivo, os alunos do ensino artístico, bem como os dos cursos profissionais e vocacionais, continuarão a só poder fazer exames na qualidade de autopropostos, embora tenham frequentado as aulas dos seus cursos até ao fim, e continuará a ser-lhes exigido que, para além do exame de Português, a única disciplina comum a todos os estudantes do secundário, que realizem outra prova das que são oferecidas “para os vários cursos científico-humanísticos”. Na resolução especifica-se que este segundo exame deveria ser de uma das disciplinas que fazem parte do currículo destes estudantes. Também se manterá a mesma fórmula de cálculo da sua classificação final para efeitos de prosseguimento de estudos no ensino superior.

Os deputados do PS, BE e PCP ouvidos pelo PÚBLICO foram surpreendidos com a notícia de que o regulamento de exames, cujo teor desconheciam, já tinha sido publicado. “Vamos pedir explicações ao Ministério da Educação. Queremos perceber porque não foi alterado o decreto-lei [que determina as condições de acesso ao superior] e quando contam fazê-lo”, avança a deputada do BE, Joana Mortágua.

Também Miguel Tiago, do PCP, diz que, “se não foi cumprida a resolução, então o Governo ou não está de acordo com o que foi recomendado e tem de o assumir, ou considerou ser impossível fazer estas alterações já este ano”, uma informação que os comunistas esperam vir a obter em breve. Pedro Delgado Alves, do PS, remeteu um comentário para esta terça-feira.

No mês passado, a propósito do debate, na Assembleia da República, dos projectos de resolução apresentados pelos três partidos, o Ministério da Educação indicou ao PÚBLICO, através do seu gabinete de comunicação, que “todas as modalidades de ensino secundário, que não as os cursos científico humanísticos [ensino regular] constituem neste momento objecto de análise”. Nesta segunda-feira, a propósito do teor do regulamento dos exames, o ME voltou a referir que “as questões de acesso ao Ensino Superior estão a ser alvo de análise”, frisando contudo que estas “carecem de articulação com o Ministério da Ciência, Tecnologia e do Ensino Superior”.

Na prática, o regulamento dos exames para 2016 assume as normas transitórias que foram sendo aprovadas por Nuno Crato desde 2012, na sequência dos protestos de alunos, pais e professores do ensino artístico. Só que a legislação que ainda está em vigor estipula que em 2016 estes alunos já terão de realizar, para além do exame de Português, o de Filosofia do 11.º ano. Os diplomas aprovados pelo anterior Governo também determinavam que a classificação relativa às componentes específicas do ensino artístico especializado deixaria de ser contabilizada no acesso ao superior.

Fórmula de cálculo também em causa
A valorização desta prova figura entre as recomendações ao Governo aprovadas pelo Parlamento, mas o ME não alterou o cálculo da classificação final que esteve em vigor nos últimos anos e que foi contestado também numa petição enviada ao Parlamento, pelas associações de pais das escolas artísticas Soares dos Reis, no Porto, e António Arroio, em Lisboa, que recolheu 4715 assinaturas.

Neste documento, os pais chamavam a atenção para o facto de as classificações obtidas nos exames obrigatórios terem passado, com as alterações de Nuno Crato, a produzir “influências diferentes nas classificações finais para acesso ao ensino superior”. Ou seja, especificavam, enquanto para os alunos dos cursos científico-humanísticos “as classificações dos exames obrigatórios tem um peso de 30% que incide apenas na classificação final de cada disciplina, para os alunos do ensino artístico especializado a classificação dos exames obrigatórios incide sobre toda a média final de curso com um peso de 30%”, uma situação que se manterá este ano.

A título de exemplo das “distorções” provocadas por esta fórmula, as associações de pais apresentaram, como exemplo, a situação em que ficará um aluno do ensino artístico especializado que tenha terminado o curso com 20 valores de classificação interna final a todas as disciplinas e que tenha obtido simultaneamente 10 valores nos exames de Português e Filosofia: “Se a classificação final de curso para efeitos de acesso ao ensino superior for calculada de acordo com as regras aplicadas aos cursos científico-humanísticos o valor seria de 19,4 valores. Contudo, aplicadas as regras estabelecidas na legislação actual o mesmo aluno obtém uma classificação de 17,0 valores. Deste modo, verifica-se que este aluno é prejudicado em 2,4 valores apenas por ter uma fórmula de cálculo que não segue os mesmos princípios”.

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