E eu ralado

Nós somos apenas as vítimas. Ou, quem sabe, os opressores?

Boring é uma das melhores palavras da língua inglesa. To bore for England é uma das piores coisas que um inglês pode fazer.

To bore, antes de querer dizer "entediar", era abrir um buraco com uma broca. Tal como no famoso mau, chato e velho filme Driller Killer, ser-se chateado é como ter um Black & Decker a burilar-nos o cérebro, tornando-o incapaz de se interessar.

Brocar e burilar estão perto do to bore. Um chato é um bouro e estar entediado é estar bourado.

Mas a língua portuguesa não precisa de ser rectificada. "Maçar" é um belo verbo. É bater com um maço. Ser maçado é levar repetidamente com um maço. É uma agressão parecida com a violência de ser enfadado.

O enfado é um estado de espírito particularmente português: é o tédio do fado. É ficarmos paralisados de aborrecimento só por sabermos de antemão o que inescapavelmente nos espera.

Nos melhores fados – não só nos destinos como nas canções – grande parte do encantamento e da sensação de pertença vem do prazer triste de adivinharmos o que vem a seguir.

Sabe-nos bem voltar aos lugares antigos, por muito maus e previsíveis que sejam. Tudo é preferível à insensibilidade morosa de nos chatearem em vão com coisas que só são novas por serem ainda mais chatas do que temíamos.

Também somos ralados, que é como quem diz esmifrados e passados por um ralador. O ralador é o bore; é o maçador e o chato.

Nós somos apenas as vítimas. Ou, quem sabe, os opressores? Só nos resta acertarmos a terminologia.

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