Catástrofes naturais e omissão de auxílio

A omissão de auxílio deixa de ser punível quando em causa está apenas a recuperação ou protecção de património.

As consequências legais relativas à omissão de auxílio em situações de catástrofes naturais é um tema complexo e que deixa várias questões em aberto, podendo ser analisado em várias vertentes.

Importa antes de mais atentar para o artigo 200.º do Código Penal (introduzido com o Código Penal de 1982) o qual dispõe que “Quem, em caso de grave necessidade, nomeadamente provocada por desastre, calamidade pública ou situação de perigo comum, que ponha em perigo a vida, a integridade física ou a liberdade de outra pessoa, deixar de lhe prestar o auxílio necessário ao afastamento do perigo, seja por acção pessoal, seja promovendo o socorro, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias”. Nos termos do nº 2 desse mesmo artigo, “se a situação referida tiver sido criada por aquele que omite o auxílio devido, o omitente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena multa até 240 dias”. Por fim, o nº 3 refere ainda que “a omissão de auxílio não é punível quando se verificar grave risco para a vida ou integridade física do omitente ou quando, por outro motivo revelante, o auxílio lhe não for exigível”.

Existe assim, neste artigo, uma clara obrigação de auxílio a terceiros visando afastar uma situação de perigo que possa afectar a vida ou a integridade física de outrem. Sendo certo que essa obrigação é temperada com o facto de não existir qualquer condenação criminal quando se verificar um grave risco para a vida ou para a integridade física daquele sobre o qual recai o dever de auxílio ou quando, por outra razão, o auxílio não for exigível.

Importa dizer que neste tipo legal de crime, estão em causa apenas e só os bens jurídicos pessoais (como a vida, a saúde e a integridade física) e não os bens jurídicos patrimoniais. Assim, a omissão de auxílio deixa de ser punível quando em causa está apenas a recuperação ou protecção de património (tanto assim que este crime encontra-se no título dedicado a crimes contra pessoas e não no título seguinte relativo a crimes contra o património).

Como requisitos deste crime estão a existência de uma grave necessidade e de perigo iminente, sendo indiferente que as causas de perigo sejam de natureza natural ou humana.

Também presente está a exigência de dolo, em qualquer uma das suas formas, assim pode não ser necessária a prática de um acto deliberado mas basta que alguém se depare com uma situação de grave necessidade, nada fazendo e conformando-se passivamente com essa situação, para se verificar a prática um crime de omissão de auxílio.

Como referimos, é fácil levantarem-se questões práticas complexas. Assim, e por exemplo, a questão da comparticipação neste tipo de crime pode ser relevante, por exemplo através daquele que instiga ou que estimule a não ser prestado o auxílio.

Também com interesse prático, e de difícil resolução, temos a situação chamada de conflito de deveres, que acontece quando alguém é confrontado com deveres jurídicos de natureza diferente e tem que cumprir aquele dever que é de valor superior ou igual. Num outro plano, também ele merecedor de reflexão, temos a situação em que não é prestado auxílio na medida em que existe uma necessidade de preservação dos bens patrimoniais daquele sobre o qual recai o dever de auxílio. Neste último caso, a opção do legislador parece ter sido clara no sentido de que o omitente pode recusar o auxílio quando esteja em causa a sua vida e integridade física e não quando é confrontado com a necessidade de preservar o seu património (o qual deve assim ser sacrificado).

Em suma, estamos perante uma multiplicidade de cenários e de complexas respostas, verificando-se que é muito pouca a jurisprudência sobre este tema em particular, sinónimo de que não são muitos os casos que acabam por chegar a Tribunal derivados da omissão de auxílio em cenários de catástrofes naturais.

Sócio da sociedade de advogados pbbr

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