“A nós não nos acontece tanta coisa como a eles os três”

Têm as idades de Lúcia, Francisco e Jacinta. O que pensam meninos de dez, nove e sete anos sobre o ocorrido? O que lhes diriam se conhecessem os três meninos da sua idade?

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Fátima voltou a encher-se de peregrinos para as cerimónias do 13 de Maio Enric Vives-Rubio
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“Eles deviam ser meninos muito especiais, não eram como nós. A nós não nos acontece tanta coisa como a eles os três”, diz Francisco Catarino, de 9 anos, como quem diz que aventuras daquelas estão reservadas a poucos.

Francisco e Rita são primos e são das poucas crianças que estão no recinto de Fátima a assistir às cerimónias que todos os anos se repetem no 13 de Maio, data que assinala “a primeira aparição”, que se diz ter sido presenciada por três crianças que andavam a pastorear o seu rebanho numa charneca da Cova da Iria.

Os primos, ela vinda de Matosinhos, ele de Vila Nova de Gaia, têm ambos a idade que o pastor Francisco tinha à data em que apareceu “a mulher vestida de branco”, em 1917, e, quando se imaginam a presenciar a cena, dizem que não reagiriam como os dois irmãos e a prima, a Lúcia, ficando a ouvir o que lhes tinha para dizer e que eles não sabem muito dizer o que era.

“Rezai, rezai muito e fazei sacrifícios porque vão muitos para o inferno por não haver quem se sacrifique por eles” – era esta “a mensagem da Senhora”, explica-se na rubrica Fátima dos pequeninos, do jornal Voz de Fátima do 13 de Maio, onde a irmã Maria Isolinda se dirige aos mais novos com um “olá, amiguinhos!”

Perante a visão, Rita não tem duvidas: “Eu fugia logo, fogo”, o primo Francisco reagiria de forma um nada diferente: “Eu não me mexia, não respirava” e não tem dúvidas que aquela não era coisa que fosse logo contar ao telemóvel, “ia a correr e contava à mãe - é com a minha mãe que eu desabafo mais.”

É verdade que a eles não lhes acontecem coisas daquelas, se bem que houve um ano em Francisco pediu boas notas a Deus e foi atendido, “Muito Bom, Bom, Muito Bom”, mas não queria ter a vida que eles tiveram, “nos tempos mais antigos”.

Miguel Pinheiro, de 10 anos, diz que não se importava de ser pastor, “estar no meio do campo com as ovelhas sem ninguém nos incomodar”, ele que ainda não tem bem um caminho profissional traçado, apenas sabe que quer “ser musculado”. Já a Francisco a ideia de ser pastor, “por um lado parece fixe, porque podemos estar nos campos a gritar, mas dá muito trabalho, [por causa] das ovelhas”. Francisco imagina isso recorrendo ao trabalho que lhe dá o seu cão Pluto. Se quiser tomar conta de um animal tem o Tom, um gato, e mostra-nos o que se lhe pode fazer no Iphone, “dar festas, alimentar, pode-se empurrar”. “Ora empurra-o lá para ele cair”, diz-lhe a Rita, e o gato virtual lá tomba no solo do telemóvel e os primos acabam a gargalhar.

Ao contrário de Lúcia, Francisco e Jacinta eles têm a sorte de não ter de trabalhar: “Nós não fazemos nada. Bem, eu ajudo a minha mãe a pôr a mesa”, diz Rita. Depois as condições em que eles viviam não eram as melhores, comenta a menina, que lembra a visita a recente à casa musealizada de Jacinta e Francisco Marto. Tinham de dormir numa cama, um em posição normal e o outro atravessado no fundo da cama, Rita tem uma cama e um quarto só para si. “Eles comiam milho e porcos”, diz Rita. “Agora é mais fixe, há Mcdonald’s, Coca Cola, Ice tea”, enumera Francisco.

Parece que têm alguma pena dos pastorinhos, por serem do tempo “em que a vida era difícil”. A saber: “Mandava-se cartas, antigas, tinha que se pôr selos, não se podiam mandar SMS, nem havia Ipads, nem Cartoon Network, tinha que se tirar a água de um poço”, e “naquele tempo as pessoas eram pobrezinhas, andavam rotas”, ouviu Rita à professora. E os irmãos pastores morreram quando eram pequenos como eles, eles não conhecem ninguém que tenha morrido em criança. A não ser um caso isolado, “um amigo da pré-primária contou-me que um amigo dele morreu mas pediu-me para não comentar”, continua Rita.

Dizem que gostam de vir a Fátima com os pais e os avôs e têm os seus momentos preferidos. Rita prefere a parte da procissão das velas e de passar a mão por cima e sentir o calor que quase queima, “vzzzzzzzzzz”, diz com ar de quem faz magia. Mariana Gomes, de 9 anos, gosta da parte “dos lencinhos”, quando no final da missa os peregrinos acenam com panos brancos despedindo-se da imagem de Nossa Senhora, é isso que faz, muito coquete, de mini saia com folhos de tule, mala e boina rosa choque com a imagem da cantora Violeta.

Maria Saraiva, de 10 anos, veio de uma aldeia que devia ser parecida com a dos pastorinhos, lá em Pala (concelho de Pinhel) ainda há pastores, ela já falou com um, o Carlos. Maria sabe bem distinguir uma azinheira pelo formato das folhas, “como aquela”, aponta, e passa muito tempo a brincar cá fora com os outros cinco meninos que restam na aldeia, vai à missa aos domingos.

Maria responde obedientemente que acredita em tudo o que traz o avô, Álvaro Coelho, todos os anos à peregrinação, na Nossa Senhora e nos anjos que apareceram e que são como os de pedra, mas quando se chega à parte do sol “que bailou” Maria hesita, a medo, vê-se que não quer contrariar o avô. “Acredito mais ou menos, acho um bocado impossível o sol dançar”. Uma das suas cadeiras preferidas é Estudo do Meio e assim como sabe que “a lua é um satélite natural da terra”, também sabe que “o sol é uma estrela” e nunca aprendeu que tenha desses dotes.

Se conhecessem os pastorinhos que tinham a sua idade tinham várias perguntas para lhes fazer: Maria Saraiva - “como se sentiram quando viram Nossa Senhora? O que é que aconteceu depois?". Diana Ferreira, de 9 anos - “se gostam de ser pastores?”. Os primos Rita e Francisco questionariam “como é ir para os campos cuidar das ovelhas? Como é Nossa Senhora?”. E “Querem vir brincar connosco?”.

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