Os patos dos ovos de ouro

Os vistos gold estão na moda. É fazer uma busca na Internet e ver a proliferação de consultores, ajudantes, intermediários, negociantes e outros prestadores de serviços para perceber que, pelo preço de redigir uma lei, o Governo criou uma nova indústria.

E que indústria! Em cerca de um ano venderam-se cerca de 336 milhões de euros em activos, 300 dos quais activos imobiliários. A isto, imagino que se deva acrescentar IMI, IMT, imposto de selo e, claro, as comissões a todos os ajudantes do imigrante, que pela minha experiência chegam a representar 20% do preço do imóvel. E a festa não acabou. Este ano esperam-se 500 milhões de euros de investimentos.

Mas julgar o fenómeno pelos euros amealhados esconde uma realidade bem menos decorosa. Olhando para os dados oficiais, salta à vista que apenas 33 dos 542 vistos foram concedidos a cidadãos de Estados que podem ser considerados estáveis ou, no mínimo, respeitadores da propriedade privada.

Cerca de 55 vistos foram concedidos a nacionais de países onde decorre um conflito armado. Também não é acaso a China ser o principal país de origem destes novos imigrantes. O Estado chinês fixa taxas máximas de remuneração do capital inferiores à inflação, criando assim uma forma de imposto oculto sobre o património. É normal que quem tem algum lhe procure dar um destino seguro, e se isso der direito a entrar na Europa, melhor.

O que Portugal oferece, em troca de investimento, é antes de mais segurança física, a garantia de não ver o capital expropriado e estabilidade. E não, não andei distraído nos últimos anos. Acontece que quando avaliamos as instituições portuguesas numa escala que inclui o Iraque, a Síria, o Paquistão a Rússia ou a China, somos, nas palavras de Mario Draghi, uma “ilha de estabilidade”.

É por isso que nos devemos todos preocupar com o sucesso deste programa não apenas na dimensão financeira, mas sobretudo na dimensão humana e da nossa reputação como país de acolhimento. Há cada vez mais relatos de práticas abusivas, como seja a ocultação de comissões, que são incluídas no preço do imóvel. Há práticas de venda que põem o investidor sob pressão, dando apenas umas horas para considerar o preço de um apartamento num país onde nada conhece. Não há qualquer dever de informação ou transparência quanto ao mercado, dever de lealdade para com o cliente, ou regras para evitar conflitos de interesse. Comissões entre mediadores imobiliários, consultores e agentes de angariação de investidores aparecem todas misturadas, não permitindo ao investidor saber quem recebe o quê e a que incentivos responde

Se queremos, como país, continuar com esta medida, então, no mínimo, devemos dar a estes imigrantes a segurança que eles procuram. Talvez alguma regulamentação da actividade pudesse extinguir os patos dos ovos de ouro.

Advogado

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