O meu país é o que o mar não quer

O nosso país tem recusado nos últimos quatro anos um futuro minimamente decente aos jovens em cuja formação investiu fortemente.

O poema de onde vem o título chama-se Morte ao meio-dia, é de Ruy Belo e foi publicado em 1966 no livro Boca Bilingue. Vale a pena deixar aqui a penúltima estrofe:

“O meu país é o que o mar não quer
é o pescador cuspido à praia à luz do dia
pois a areia cresceu e a gente em vão requer
curvada o que de fronte erguida já lhe pertencia”

O verso serve também para um espectáculo teatral de Ricardo Correia, 37 anos, construído com base na sua experiência de emigrante no Reino Unido e nos numerosos testemunhos de portugueses qualificados compelidos a deixar o país nos últimos tempos. Estreada em Coimbra em Abril passado, será em breve também representada na Universidade do Porto, no quadro da apresentação pública do projecto de investigação “BRAin DRAin and Academic MObility from Portugal to Europe” (BRADRAMO).

As conclusões deveriam causar brados. Dos 1011 jovens inquiridos, todos licenciados e emigrados, cerca de quatro quintos saíram do país depois de 2008. Antes de saírem, 31% deles não tinham qualquer rendimento e 42% ganhavam menos de mil euros. Hoje, estando lá fora, 55% ganham mais de 2000 euros e 27% ganham mais de 3000 euros. Segundos os investigadores, que se basearam na amostra, entre 2011 e 2012 emigraram pelo menos 40.000 portugueses licenciados. Amargurados, a grande maioria (cerca de dois terços) não planeia voltar tão cedo.

Esta investigação ajudou a tornar mais precisa uma noção de vazio que todos nós temos. O nosso país tem recusado nos últimos quatro anos um futuro minimamente decente aos jovens em cuja formação investiu fortemente. Todos conhecemos, nas nossas famílias ou nas dos nossos amigos, casos de emigrantes com canudo, por vezes com canudos dourados (muitos são doutorados e pós-doutorados, alguns até com carreiras brilhantes de investigação). Nós sabemos e sabe-se já lá fora: o El País de 5 de Setembro noticiava que o Serviço Nacional de Saúde britânico tem contratado enfermeiros lusos, a quem chega a pagar mais de 3000 euros. O jornal informa que nos últimos seis anos emigraram 13.000 enfermeiros aqui formados. O Serviço Nacional de Saúde português precisa de mais enfermeiros, mas, quando os contrata, não lhes paga mais de 1000 euros. O jornal espanhol informa também sobre a emigração artística: já há uma orquestra (Orquestra XXI) de jovens músicos nacionais que estão a trabalhar por esse mundo fora e que vêm tocar a Portugal no “querido mês de Agosto”. A recente diáspora de talentos é impressionante: inclui cientistas promissores, técnicos competentes e artistas superdotados, para já não falar dos menos qualificados que também fogem. Se nos anos de chumbo de 1966 a emigração era de meia rota e mala de cartão, nestes novos anos de chumbo a emigração vai de ténis e mochila, com o portátil lá dentro.

Este êxodo, com as proporções de uma tragédia (não, não é por os jovens saírem, é por não voltarem, deixando Portugal exangue dos seus melhores), tem responsáveis. Tivemos nos últimos quatro anos um governo de triste memória, que não só permitiu esta saída em massa como, sem qualquer vergonha, a encorajou tanto quanto pôde.

Na ciência tivemos a atitude despudorada da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) que, com o patrocínio do ministro Nuno Crato, cortou sem critério metade do tecido científico nacional. Decepou a eito centros de investigação, projectos e bolsas. Por incrível que pareça, o próprio presidente da FCT, Miguel Seabra, enquanto cortava oportunidades por aqui estava simultaneamente na Inglaterra a receber candidatos a cientista. O mesmo ministro fez, na área da educação, uma poda aos professores, depauperando o nosso ensino público. Não se atreveu, porém, a fazer uma razia nos alunos: a recente subida mágica da média de Matemática do 12.º ano representou o abandono completo da sua alegada política de exigência (como já alguém disse: “se não gostarem dos meus princípios, tenho outros”). Na cultura, despromovida a Secretaria de Estado, o secretário de serviço Jorge Barreto Xavier não teve peias em anunciar, no Sol de 4 de Setembro, por que razão ocupou aquela subpasta: “Trabalho para um líder, que é o primeiro-ministro, com muita honra e orgulho (…) Tal como sou do Sporting desde miúdo, também sou do PSD desde miúdo.”

Eu sou e sempre fui independente. Mas ser independente não é silenciar o opróbrio. Pronunciei-me sobre o anterior primeiro-ministro na devida altura e agora é tempo de me pronunciar sobre o actual. Para minha grande mágoa, não tivemos nos últimos quatro anos governantes a trabalhar com o fito no bem comum, procurando melhorar a ciência, a educação e a cultura, tentando dar futuro aos jovens e ao país. Tivemos um líder, Pedro Passos Coelho, para quem a ciência, a educação e a cultura não significam praticamente nada e que, por isso, não tem nenhum futuro a dar-nos.

Professor universitário (tcarlos@uc.pt)

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