Equívocos e discordâncias sobre o papel dos media

Voltam a pairar os maus efeitos do princípio de “quem não é por mim, é contra mim”.

De tempos a tempos, os políticos lembram-se de discutir os problemas que afectam os media. E é interessante constatar que essa preocupação tem incisivamente a aproximação dos períodos eleitorais, o que desde logo denuncia o grande motivo deste apressado colocar em agenda a importância do papel dos media na vida política ou até de modo mais restrito, e bastante caseiro, para a actividade dos partidos: a importância de se servirem deles.

Esta inquietação de ciclos fortes e desaparecidos está bem patente no frenesim que agora se suscitou na casa mãe da democracia, a Assembleia da República, em estilo hospitalar de serviços de urgência, para produzir disposições legislativas que regulem qual deve ser o comportamento dos media em período de campanha eleitoral.

Os media tradicionais (imprensa, rádio e televisão) na formulação da estabilização das garantias indestrutíveis à manutenção do Estado democrático passam hoje por enormes dificuldades, desde um sistema legislador na produção das leis e sobretudo na exigência rigorosa da sua aplicação aos condicionamentos do funcionamento "selvagem" dos mercados económicos e financeiros. Também estes para defesa da democracia a necessitarem de eficazes ajustamentos ao paradigma novo em que eles media e mercados funcionam. Mas todo envolvimento em que problemas destes deveriam pesar na consciência e na inteligência de quem tem a responsabilidade de velar pela salvaguarda da democracia passam ao lado ou vão sendo adiados. Por ignorância ou medo de agarrar os problemas na origem das suas causas ou pela dominância de uma cultura de subtileza sofística de que só o imediato e oportunístico são urgentes.

Numa reflexão de carácter mais doméstico não seria despiciendo levantar a questão por que razões os nossos deputados conhecedores dos princípios da garantia constitucional do direito à livre expressão e opinião e da imposição não menos constitucional na igualdade de oportunidades no tratamento das diversas candidaturas às eleições tanto desconfiam do livre e responsável uso dos critérios editoriais dos editores jornalísticos.

Há muito tempo que me recuso a aceitar essa simplicista formulação de que aos três poderes, o legislativo, o judiciário e o executivo, por via da sua força e impacto social se acrescenta como quarto poder o poder dos media. Numa sociedade global em que o poder é tão difuso e que tem proveniências muito escondidas e disseminadas é porventura algo lunático atribuir aos media tal poder. Ainda assim parece-me mais consentâneo com a realidade em que os media funcionam, esquadrados entre estes três poderes dominantes do mundo actual: o poder político, o poder económico e o poder social. E mesmo assim, tendo por constante que esta enunciação valorativamente enunciada está alterada, pois a dominância do poder económico é evidente. E para uma análise desta situação seria interessante perceber a lógica jornalística imperante nos jornais ditos económicos e aquela praticada nos jornais generalistas para perceber quem está com quem. Como ainda anteontem no seu artigo publicado no PÚBLICO o advogado Francisco Teixeira da Mota escrevia "a comunicação social é uma inequívoca fonte de poder, pelo que a sua propriedade deve ser escrutinada numa sociedade democrática. O que me parece bastante mais importante ser assegurado do que a presente batalha sobre os minutos televisivos das diversas candidaturas."

Estas reflexões sobre o poder real dos media nos processos e mecanismos da gestão política das democracias na Europa e no Mundo, obviamente, aqui, por mim enunciados muito laconicamente pelas sérias problemáticas que levantam, não visam apenas aproveitar a oportunidade para escrever mais um artigo de opinião. Não é que nas competências atribuídas ao provedor não caiba levantar questões gerais pertinentes à execução da ética e da deontologia na prática jornalística. Todavia, elas inserem-se nas opiniões e tomadas de posição com que vários leitores do PÚBLICO me têm confrontado.

Entre os vários "males" que, nestes últimos anos, afligem a sociedade portuguesa parece estar a ganhar terreno um que, em quarenta anos de democracia, julgava estar desvanecido: a tendência para a intolerância no confronto das divergentes posições políticas e ideológicas. Há leitores que me escrevem a protestar contra posições tomadas pelo PÚBLICO, no direito legítimo que lhes assiste dessa discordância. Mas há leitores que, por julgarem o PÚBLICO "sempre contra o actual governo", o PÚBLICO que dizem compram e lêem há vinte e quatro anos como "o seu jornal", vão riscá-lo do seu universo de informação. Não é que este direito também não lhes assista, mas esta decisão também não deixa de ser reveladora da tal intolerância que vai grassando no ambiente da discussão política. Aliás, os modos de reacção pública que se registaram à divulgação por parte do PÚBLICO do chamado "manifesto dos 70", a propósito da reestruturação da dívida portuguesa são sinais alarmantes dessa intolerância. Voltam a pairar os maus efeitos do princípio de "quem não é por mim, é contra mim" e igualmente a sentença antidemocrática de que há tabus que não se discutem, "a bem da Nação".

Quanto às queixas de que o PÚBLICO terá de ter em atenção o espaço concedido aos diferentes Partidos e a alguns colunistas do seu universo, neste momento, na liderança da campanha para as eleições europeias, recomendo e confio que, a seu tempo, o PÚBLICO irá tomar decisões que não ponham em causa o seu estatuto de intransigente prática a favor do pluralismo democrático.


 

DO CORREIO DO LEITOR/PROVEDOR

AS CONTRADIÇÕES DO PROVEDOR

Um Leitor escreveu-me a notar o seguinte: “A sua crónica de 9.3.2014 contém uma saliente contradição. Atente-se na citação que, na referida crónica, faz da Directora do jornal PÚBLICO: “Até hoje, todos os artigos que recebemos a favor do Acordo Ortográfico foram publicados. Porque recebemos muito mais artigos contra o AO nem todos são publicados.” Estaria visto assim, que as queixas que haverá recebido a propósito da eventual censura de artigos desfavoráveis ao AO90, queixas que haverão motivado as duas crónicas por si dedicadas a este assunto seriam desprovidas de fundamento. Ora, perante a clara mensagem da Directora do PÚBLICO, não compreendo como pode o provedor afirmar o sequente: “Obtida a confirmação de que, efectivamente, o PÚBLICO não publica todos os artigos que recebe a favor do AO, a não ser que haja citado incorrectamente as palavras da Directora do PÚBLICO, o que se confirma foi precisamente o contrário de aquilo que afirma.”

Comentário do provedor: Na minha primeira reacção à mensagem do Leitor interpretei que o Leitor estava a utilizar uma certa ironia. Fui ler melhor a crónica e confirmei que o erro foi meu. Incorrera, de facto, em contradição, pois a afirmação da Directora era clara: o PÚBLICO tem publicado todos os artigos recebidos a favor do AO. Por serem muitos contra o AO nem todos têm sido publicados. Daí, a minha aceitação de persistirem os legítimos critérios editoriais.

Já pedi desculpa ao Leitor. À Directora, também devo desculpas.

 
 

EXCELENTE EXEMPLO DE PARTICIPAÇÃO ACTIVA DOS LEITORES

Organizado pelos Leitores Betâmio de Almeida e Maria do Céu Mota vai realizar-se, no próximo dia 22 de Março, em Coimbra, o 1.º Encontro Nacional de Leitores – Escritores que enviam cartas à Direcção para discussão deste assunto.

Creio que é uma iniciativa demonstrativa de uma acção de leitores responsáveis de deveres de uma cidadania cooperante no papel dos jornais e do PÚBLICO no papel da defesa da opinião pública que merece ser referenciada.

 

Sugerir correcção
Comentar