Acções intentadas pelo Estado contra terceiros já totalizam 22,7 milhões de euros

Valor contabilizado nos processos em curso em 2012 quadruplicou, mas é muito inferior aos 1,5 mil milhões que cidadãos e empresas exigem ao Estado nos tribunais.

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Os pedidos de indemnização civil têm vindo a aumentar desde Dezembro de 2007 Enric Vives-Rubio

O valor dos pedidos de indemnização exigidos pelo Estado em processos contra terceiros que estavam a correr em nove tribunais administrativos no final do ano passado mais do que quadriplicou face a 2011. Em 31 de Dezembro de 2012 estavam pendentes nas instâncias judiciais que ficam na área de intervenção do Tribunal Central Administrativo (TCA) do Sul acções interpostas pelo Estado no valor de 22,1 milhões de euros.

Este número, que consta do relatório-síntese relativo à actividade do Ministério Público (MP) em 2012, divulgado pela Procuradoria-Geral da República este mês, é quatro vezes e meio maior do que os 4,8 milhões de euros contabilizados um ano antes. Nos restantes sete tribunais administrativos o valor das pedidos de indemnização feitos pelo Estado contra terceiros é substancialmente inferior (580 mil euros).

Esta foi a primeira vez que foram divulgados dados sobre o contencioso do Estado na área de intervenção do TCA do Norte, não sendo possível perceber a evolução face a 2011. No total destas acções o Estado reivindica 22,7 milhões de euros a terceiros, particulares e empresas, um valor substancialmente inferior aos quase 1,5 mil milhões de euros pedidos em acções de indemnização contra o Estado.

Contudo, a tedência neste campo é a inversa da que ocorreu nos processos intentados pelo Estado. Em final de 2011 só na área do TCA do Sul estavam pendentes acções a exigir  quase 1,8 mil milhões de euros ao Estado, um número que diminuiu para 1,375 mil milhões um ano mais tarde. Já no TCA Norte, que divulgou estes dados pela primeira vez, corriam em 31 de Dezembro de 2012 acções contra o Estado no valor de 113,6 milhões de euros.

Não é de esperar, no entanto, que os 1,5 mil milhões de euros de indemnizações pedidas ao Estado nos 16 tribunais administrativos existentes no país, resultem em condenações em montante semelhante. Isso mesmo mostra a taxa de sucesso do MP na defesa dos interesses patrimoniais do Estado. Nos nove tribunais da área do TCA do Sul o ano passado 120 casos tiveram decisão definitiva, tendo sido improcedentes 89% dos processos contra o Estado.

Só  em 13 acções o Estado foi condenado a pagar indemnizações, num total de 208 mil euros, que correspondem a uns inexpressivos 0,042% dos 491,8 milhões reivindicados.  Na área do TCA do Norte, a taxa de sucesso é um pouco mais baixa, tendo o Estado sido condenado a pagar 1,6 milhões de euros em 16 das 51 decisões definitivas.

Os motivos que servem de base aos processos intentados contra o Estado são diversos, mas os pedidos de indemnização têm sempre na base actos ou omissões da administração pública. Exemplo disso é o cancelamento de um concurso, uma expropriação irregular ou o erro de um magistrado num processo judicial. Entre estes casos estão pedidos de indemnização de alguns clientes do Banco Privado Português que recorreram aos chamados "produtos de retorno garantido" e querem agora uma indemnização do Estado por, alegadamente, este não ter cumprido o seu papel de fiscalizador.

Parte das acções dizem respeito a pedidos de indemnização civil, que têm vindo a aumentar desde que em Dezembro de 2007 foram introduzidas alterações relevantes no domínio do regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado.

Uma juíza do TCA do Sul explica ao PÚBLICO que as acções de responsabilidade civil contra o Estado representam “uma pequena parte” do total de processos entrados nos tribunais administrativos. Neste tipo de acção, as mais comuns, continua, são as por atrasos na justiça, as decorrentes de erro ou negligência médica e as por acidente de viação, causado por falta de manutenção das vias públicas. Há ainda um conjunto de situações residuais, por danos contra o ambiente e pela prática de decisões ilícitas como a recusa de atribuição de um subsídio de desemprego.

Nos últimos anos, têm-se acentuado o número de processos de responsabilidade civil contra o Estado por violação do direito à decisão judicial em prazo razoável. “Começou a ser mais visível para os cidadãos que têm o direito à justiça em prazo razoável, em parte também por que o Estado português tem vindo a ser condenado no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, por essa mesma circunstância”, avalia a magistrada.

Quanto ao aumento do valor das acções intentadas pelo Estado, a juíza acredita que
existe “um contexto mais propício a que o Estado reclame quantias que considere que lhe sejam devidas”. A desembargadora realça ainda uma nova tendência registada nos tribunais administrativos, face à actual situação do país, onde se tem assistido a uma forte intervenção do Estado nos direitos dos cidadãos.

“Nos últimos dois a três anos tem aumentado a litigiosidade relacionada com os servidores públicos, sejam contratados em exercício de funções públicas, sejam todos os demais, a qual é relacionada com medidas restritivas de direitos - aumento do horário de trabalho, eliminação de feriados, cortes nos salários, eliminação ou redução dos suplementos remuneratórios – que na sua grande maioria se prendem com a impugnação dessas decisões”, refere a juíza.
 

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