Tsipras fez o que tinha a fazer

Qualquer que seja o resultado do referendo, ele terá fortíssimas consequências para a Europa como um todo.

Parece-me bizarro Alexis Tsipras estar a ser criticado pela melhor decisão que tomou desde que foi eleito: promover um referendo sobre o plano de austeridade e devolver a palavra ao povo grego.

Mais bizarro do que isso só mesmo se a Europa e o FMI resolvessem tirar o tapete financeiro à Grécia a seis dias do referendo, ou se o BCE se mostrasse incapaz de desencantar um prolongamento de liquidez para sustentar por mais uns dias o sistema bancário do país. Não vai com certeza acontecer, e bem.

Eu ando há seis meses a ouvir que a Hora H e o Dia D são hoje, são amanhã, são daqui a três dias, ao ponto de as negociações com a Grécia se terem transformado num daqueles filmes de terror cheios de falsos finais, em que a gente só já sonha em sair da sala mas os mortos não param de ressuscitar. Se é assim há meio ano, não vai ser agora, em que uma espécie de final está marcado para domingo, que as instituições europeias vão bater com a porta no imponente nariz do senhor Varoufakis. Já que esperámos seis meses, podemos certamente esperar mais seis dias.

Até porque, politicamente, não há outra solução. Estando a Europa a ser tão atacada pela sua alegada falta de cultura democrática, e pelo seu alegado desrespeito pela escolha dos eleitores gregos, ela não quererá correr o risco de ser acusada de sabotar um referendo que faz todo o sentido. O Syriza foi eleito em Janeiro deste ano com 36,3% dos votos e um programa que não tem nada a ver com aquele que as instituições exigem que a Grécia aplique. Colocado entre a espada e a parede, Tsipras fez o que tinha a fazer. A partir do momento em que a quadratura do círculo - ficar no euro acabando com a austeridade - se revelou impossível de concretizar, parece-me óbvio, e democraticamente avisado, devolver aos eleitores o poder de decidir numa matéria tão dramática quanto esta.

Saber se o programa de austeridade que irá ser referendado estará ou não em vigência no domingo, ou valorizar demasiado o facto de Tsipras poder desvirtuar os factos e ir fazer campanha contra aquilo que já designou como um "ultimato", é neste momento muito pouco importante. O que interessa é a definitiva clarificação de dois desejos contraditórios, que o Syriza alimentou na última campanha eleitoral sem ter legitimidade para isso: o desejo de permanecer no euro e o desejo de impor aos credores um programa económico que a Grécia não pode pagar sozinha. Por esta altura, com os bancos fechados e as caixas automáticas vazias, qualquer grego já terá percebido aquilo que o espera se o seu país regressar ao dracma. Votar no domingo não será elaborar sobre vagas teorias, pois já está à frente de todos os resultados de uma falência descontrolada. E não serão os discursos inflamados do Syriza que irão mascarar esta visão.

Qualquer que seja o resultado do referendo, ele terá fortíssimas consequências para a Europa como um todo, mas ninguém poderá dizer que essas decisões foram tomadas nos corredores tecnocráticos de Bruxelas, e nas costas do povo grego. Se o Syriza aceitasse o acordo que está em cima da mesa iria contra as suas promessas eleitorais, dando mais uma machadada nas já de si debilitadas democracias europeias em tempos de crise. Se optasse por sair unilateralmente do euro, iria contra a vontade da maioria dos eleitores. Assim, as coisas serão feitas da forma mais correcta possível: ouvindo o povo grego acerca de uma das decisões mais importantes da sua história. Não poderia ser de outra forma.

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