São as presidenciais um dilema para António Costa?

Com Nóvoa estão os ministros e vários dirigentes nacionais, com Belém estão quase todos os críticos. O primeiro-ministro deve preocupar-se?

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António Costa Francisco Leong/AFP

Separadas por pouco mais de três meses, as eleições legislativas e as presidenciais estavam condenadas a influenciar-se. O tempo que passou, entretanto, confundiu ainda mais os planos. Agora, a pouco mais de um mês das eleições de 24 de Janeiro, que vão decidir o sucessor de Cavaco Silva, torna-se evidente que a corrida para Belém pode ser, também, uma espécie de "segunda volta" da escolha para São Bento. 

Basta reparar no alinhamento de apoios dos dois principais candidatos que se apresentam a disputar o voto dos socialistas. Maria de Belém tem reunido à sua volta o pleno dos críticos internos a Costa no PS. De Francisco Assis a quase todo o grupo que se opôs à estratégia de acordo com a esquerda para a viabilização do Governo. Do outro lado, António Nóvoa conta entre os seus apoiantes com o "núcleo duro" do Governo.

Oficialmente, a decisão tomada no início de Outubro pela direcção do partido não mudou. António Costa prometeu equidistância: "O apelo que fazemos é que todos os socialistas apoiem, entre os dois candidatos da nossa área, aquele que preferem, participem activamente na campanha eleitoral e contribuam para que possam ter um bom resultado na primeira volta." Mais, o líder socialista considerou que a disputa entre a ex-presidente do partido e o antigo Reitor da Universidade de Lisboa poderia funcionar como uma espécie de "primárias" da esquerda, com vista a uma eventual segunda volta das Presidenciais: "Não havendo condições para organizar em tempo oportuno eleições primárias, o PS apela à mobilização e participação livre e activa dos seus militantes no apoio, na primeira volta, à candidatura da sua preferência. O PS dirige a ambos os candidatos uma palavra de estímulo, confiando que saberão, na segunda volta do processo eleitoral, reunir os seus esforços e garantir a eleição do que então se apresentar, representando assim todos os socialistas e uma maioria dos portugueses."

Com o passar do tempo, a equidistância esfumou-se. As personalidades mais próximas de Costa começaram a declarar o seu apoio a Nóvoa. Ana Catarina Mendes, a nova secretária-geral adjunta do PS, foi uma delas. Mariana Vieira da Silva, secretária de Estado adjunta do primeiro-ministro, também. E não são apenas os colaboradores mais próximos do secretário-geral - aqueles que com boa dose de certeza tiveram de o consultar antes de publicamente se declararem apoiantes de António Nóvoa - que entram na corrida. Os principais ministros também: Augusto Santos Silva, o número dois do Governo, Vieira da Silva, que também integra a direcção política do Executivo, estão entre os apoiantes do antigo reitor.

Ao mesmo tempo, na candidatura de Maria de Belém, assumem posição de destaque aqueles socialistas que mais criticaram a estratégia de Costa. O mandatário da candidata, Marçal Grilo, que foi ministro de Guterres, por exemplo, considerou que "o Governo à esquerda será um enorme desastre”.

Outros dirigentes, como Vera Jardim, mostraram-se cépticos quanto às virtudes de um Governo apoiado pelo Bloco e pelo PCP. Outros, ainda, representam a mais organizada oposição ao líder do PS, como Miguel Laranjeiro e Eurico Brilhante Dias, que integraram o secretariado de Seguro e agora representam uma tendência interna que se opõe abertamente a António Costa.

É claro que, de ambos os lados, há figuras que apoiam os candidatos e nada têm a ver com a clivagem interna do partido. Manuel Alegre e Almeida Santos, por exemplo, apoiam Costa e estão com Maria de Belém.  O mesmo se pode dizer de Mário Soares e Jorge Sampaio, que não se pronunciaram sobre a estratégia de acordos à esquerda, e são dos principais apoiantes de Sampaio da Nóvoa.

Mesmo assim, a leitura desta realidade coloca o secretário-geral socialista e primeiro-ministro numa posição difícil. Quando Costa tomou a decisão de se afastar da escolha de um candidato, o PSD e o CDS ainda não tinham declarado o seu apoio a Marcelo Rebelo de Sousa. E António Costa ainda não era, nem tinha por garantido vir a ser, primeiro-ministro. 

Segundo fonte oficial do partido, contactada pelo PÚBLICO, a decisão tomada é "definitiva". O PS não prevê voltar a analisar o assunto.

Mesmo havendo ainda muitas incertezas... As sondagens não são claras sobre a preferência do eleitorado, desde logo. "Não se sabe quem tem mais intenções de voto à esquerda. Na Aximage, Nóvoa tem 17% contra 15% de Maria de Belém. Na Eurosondagem, Belém tem 19% contra 17% de António Nóvoa", exemplifica o especialista em estudos de opinião Pedro Magalhães, no seu blogue Margens de Erro. 

Magalhães lembra, ainda, que a diferença entre Mário Soares e Manuel Alegre, em 2006, "só se começou a resolver nas sondagens na última semana" da campanha eleitoral de 2006. Nessa altura, Cavaco Silva venceu à primeira volta. Mas com uma margem muito curta. Se os restantes candidatos tivessem conquistado mais 29.758 votos (cera de metade dos conquistados por um pequeno partido, como o MRPP) "teria havido segunda volta", lembra o cientista político. 

Haja, ou não, segunda volta, a posição de António Costa é confortável, defende Pedro Adão e Silva. "Não é particularmente dramática", acrescenta o comentador. "Nenhum dos cenários possíveis", adianta, nem sequer o da vitória de Marcelo Rebelo de Sousa à primeira, coloca o primeiro-ministro numa situação instável. "Uma vitória de Marcelo à primeira volta não é um problema colossal para Costa. Pode ser para a direita coligada. Não vejo como Marcelo possa dissolver o Parlamento. Se não dissolver o prazo de validade das actuais direcções de PSD e CDS expira", prevê. Quanto aos dois candidatos na área socialista, Pedro Adão e Silva considera que Maria de Belém é a que sai mais prejudicada. "A sua candidatura dependia muito de a estratégia de Costa ter falhado." 

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