Revisão constitucional

Só pode ser contra uma revisão constitucional quem se sentir confortável com um longo e penoso governo de gestão.

Não se percebe o dramatismo como foi recebida a proposta de uma revisão constitucional. Uns rasgam as vestes de indignação, como se se tratasse de um golpe constitucional. Outros dizem que jamais haverá revisão, porque não existe a maioria de 2/3 necessária para a levar por diante. Outros ainda descobriram agora, após sete revisões, a natureza sacrossanta das normas constitucionais.

Mas olhemos friamente à substância das coisas.

O Presidente da República não está constitucionalmente obrigado a aceitar a solução governativa preparada pelo líder do PS. O poder de nomeação do Governo confere ao Presidente uma prerrogativa de avaliação das propostas governativas que lhe são apresentadas pelos partidos. Oferecem elas perspectivas estabilidade? São coerentes, do ponto de vista programático?

Não basta, pois, um partido querer governar, asseverando que o seu programa não será rejeitado no Parlamento.

Portanto, num cenário de rejeição pelo Presidente de um governo PS, só pode ser contra uma revisão constitucional quem se sentir confortável com um longo e penoso governo de gestão, até meados do próximo ano. Com todas as nefastas consequências que o arrastar da incerteza tem no domínio social, económico e financeiro.

A realização célere de uma revisão constitucional ? o Governo está em gestão, mas a Assembleia está em plenitude de funções ? permitiria sair da situação de impasse político num prazo muito mais curto, com novas eleições ainda este ano.

Há diferentes vias para rever a Constituição com esse objectivo, mas a melhor parece-me ser a de permitir à própria Assembleia da República deliberar, por maioria qualificada, a convocação de eleições nos períodos em que o Presidente está inibido de exercer o poder de dissolução.

Não se trata de alterar as regras a meio do jogo. Trata-se apenas de reconhecer que, terminando o jogo empatado, mesmo após prolongamento, vai ser necessário marcar um novo jogo. E, sendo assim, quanto mais cedo melhor.

Serão os partidos políticos capazes de, em conjunto, reconhecer isto mesmo? Não sei. Mas quem afirma ser o momento que vivemos um momento histórico ? e eu acredito que sim ? deve ter em conta que, em democracia, quem escreve as linhas decisivas da história é sempre o povo.

Constitucionalista

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