Quem se colou ao Syriza perde, a maioria ganha e PS pode beneficiar do voto útil

Socialistas aconselhados a rever a estratégia presidencial.

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Passos Coelho e António Costa Miguel Manso

“O PS tem um problema maior como todas as clientelas dos partidos que gostam de gastar, somos soberanos no nosso rectângulo, mas, afinal, a soberania termina em Badajoz”. É desta forma irónica que António Nogueira Leite, catedrático de Economia da Universidade Nova de Lisboa situa o problema, sem dramatismos. “Não estou a ver nenhum líder português a fazer o que Alexis Tsipras [primeiro-ministro de Atenas] não conseguiu fazer”, destaca.

“Se este for o acordo da Grécia com Bruxelas até às legislativas portuguesas, o que não é certo, é uma derrota dos que não se demarcaram do Syriza em Portugal, PCP, BE e Tempo de Avançar, pois trata-se de uma capitulação de Tsipras para ficar no euro”, afirma Marina Costa Lobo, investigadora do Instituto de Ciências Sociais. A especialista não esquece os imponderáveis de uma agenda que passa pelo Parlamento grego e desagua em nova negociação para um terceiro resgate avaliado em 86 mil milhões de euros.

“A trajectória do Syriza foi um desastre, em cinco meses levou à humilhação da Grécia e, agora, foram encostados à parede”, opina José Manuel Leite Viegas, director do mestrado de Ciência Política no ISCTE-IUL. “Ou aceitam as condições e é mau, ou não aceitam e é péssimo, é evidente que a situação é dura e o bom senso ficou de lado”, observa. Conclusão: “Quem se colou demasiado ao Syruza não ficou bem na fotografia”, afirma.

“Faz parte do acordo haver uma grande nebulosa, a Grécia já tem patins mas continuará na zona euro até Novembro/Dezembro”, prognostica Carlos Gaspar. Um horizonte coincidente com as legislativas do Outono e o arranque das presidenciais. “Depois, logo se vê”, refere o investigador do IPRI [Instituto Português de Relações Internacionais]. Como o mesmo especialista já indicara ao PÚBLICO, é a primeira vez desde 1975 que a política interna portuguesa é condicionada por um acontecimento externo.

“A cedência grega reforça a ideia de que não há alternativa, apesar de o Governo de Atenas ter o respaldo de um referendo”, assinala Carlos Jalali, professor de Ciência Política da Universidade de Aveiro. Por isso, todos os especialistas admitem que o actual Governo e a maioria PSD/CDS que o apoia estão confortáveis. “A coligação vai insistir que as medidas tomadas em Portugal não tinham alternativa”, destaca Jalali.

“A coligação vai dizer que nunca foi a favor da expulsão”, antevê Carlos Gaspar. “Para o Governo é um trunfo que vai ser utilizado nas entrelinhas, talvez não demasiado porque fica mal fazer pouco dos outros, mas vão tentar colar o PS ao que definem como caminho de aventura, apesar do programa dos socialistas não ser o do Syriza”, pondera Leite Viegas. “Acho que a decisão de Bruxelas foi um doce para a campanha da maioria”, reconhece Nogueira Leite. ”Há que reconhecer que Passos Coelho e a coligação saem fortalecidos porque sempre disseram que não era possível fazer frente à Europa”, admite Marina Costa Lobo.

A posição do principal adversário da maioria, o PS, não é encarada de forma tão unânime. Há nuances. “O PS vai ter de avançar com uma explicação defensiva, enquanto a coligação vai usar o caso grego como arma ofensiva”, sustenta José Manuel Leite Viegas. “Admito que os socialistas se foquem no consenso [referido como base da decisão da madrugada de ontem] e partam para a defesa de um novo quadro-europeu”, estima Carlos Jalali. “O PS terá de ter um discurso mais homogéneo, pois as suas propostas são mais afectadas”, pontualiza Nogueira Leite.

“Dada a conjuntura, este resultado é o menos mau para os socialistas, o complicado seria o fim da Grécia no euro, a expulsão”, contrapõe Carlos Gaspar. “O PS salva-se por agora, é uma espécie de quadradura do círculo até a realidade demonstrar que não há uma quadratura num círculo, é uma questão de três meses”, sublinha o investigador do IPRI. “De algum modo, é favorecido o voto útil no PS porque os pequenos partidos que estiveram ao lado do Syriza ficaram esvaziados”, afirma Marina Costa Lobo.

A investigadora do Instituto de Ciências Sociais vê para além das legislativas. “O PS devia repensar não ter candidato próprio às presidenciais, António Sampaio da Nóvoa é candidato de uma coligação de esquerda crítica à Europa, enquanto o partido de António Costa tem oportunidade de apelar ao voto útil europeísta”, sintetiza Marina Costa Lobo. “O episódio do fim-de-semana valoriza os moderados, os centristas, em detrimento das alas mais à esquerda do PS, a derrota do Syriza deve levar o PS a repensar a estratégia presidencial”, conclui. 

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