Presa por arames

Resultado do poder efémero do PCP e de uma atmosfera revolucionária, que distorceu a vida política do país durante quase meio século, a Constituição da República nunca foi respeitada. Desde o princípio que a direita se esforçou por acabar com ela (era essa a intenção última de Sá Carneiro) e que o Partido Socialista a tentou reformar (e até certo ponto conseguiu). Os portugueses não a conhecem, nem a consideram o documento fundador do regime. Sendo um híbrido, a que falta um apoio social incontestável e sólido, não admira que numa crise profunda se tornasse numa arma de arremesso das facções. Além disso, a guerra já estabelecida entre o Tribunal Constitucional e o governo acabou por lhe retirar qualquer espécie de crédito ou deferência.

O governo de Sócrates, ajudando entusiasticamente à bancarrota, e o de Passos Coelho, que andou sempre a tropeçar em contradições, mudanças de estratégia, polémicas sem sentido e reformas falsas, tiraram ao executivo o vago prestígio com que saíra de um pequeno período de prosperidade, inteiramente devido aos subsídios da “Europa” e, a seguir, ao euro. Hoje ninguém confia em nenhum ministro, a começar pelo primeiro-ministro. Sofremos, por impotência e por desespero, uma anarquia mansa de que ninguém vê o fim e a que muita gente se resignou. O Presidente da República, ansioso por evitar sarilhos no último ano do seu mandato, prega docemente aos peixes, sem se importar que o ouçam ou não ouçam e, de facto, a generalidade dos políticos não o ouve.

Quase não vale a pena falar da extrema-esquerda. O ódio fraternal entre os vários grupinhos, que em conjunto a formam, não tem diluição ou conserto, como se viu em 25 de Maio. Os chefes são personagens de comédia ou aventureiros sem vergonha. Para ajudar à história, o PS resolveu cometer em público um suicídio longo e degradante, que o deixará dividido por muito tempo. Nem Costa, nem Seguro devem pensar que, lavada a roupa suja (que aparentemente é inesgotável), as coisas voltarão à ordem e tranquilidade do passado. Não voltarão. Cada um se ilude a seu gosto. Mas também Coelho e Portas aceitam ainda o absurdo postulado de que o PSD e CDS resistirão a quatro anos de “austeridade”. Erro deles. Seja como for, a República está presa por arames. E o futuro não se recomenda.

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