Na declaração de Díli, Portugal força referência à abolição da pena de morte na Guiné Equatorial

Protocolo foi alterado para dar protagonismo a Teodoro Obiang.

Foto
A chegada do Presidente da República a Díli AFP

A Declaração de Díli, com que se conclui esta quarta-feira na capital de Timor-Leste a X Cimeira da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), tem uma referência explícita à abolição da pena de morte na Guiné Equatorial, desde esta quarta-feira o nono Estado-membro da organização. Foi por pressão de Portugal que aquela referência foi introduzida.

No texto final, é referida a moratória à pena de morte anunciada pelo regime do Teodoro Obiang cuja vigência deve concluir-se com a abolição da pena capital. Foi uma alteração ao sexto ponto da declaração, que não falava da pena de morte na Guiné Equatorial, sugerida pela delegação portuguesa. Embora com estranheza dos outros Estados-membros, esta alteração foi aprovada.

Na segunda parte da reunião plenária, depois do almoço, a intervenção de Cavaco Silva alertou para a necessidade de preservar o acervo de valores da CPLP. “O potencial de atracção da nossa comunidade e o reconhecimento internacional da CPLP assenta no conjunto de valores identitários que partilhamos, como são a língua portuguesa, os princípios fundadores da defesa da paz, do Estado de direito democrático, dos direitos humanos e do desenvolvimento económico-social”, disse o Presidente da República.

Na sua intervenção, Cavaco quis deixar a constância dos valores destes princípios para o futuro da CPLP, numa altura de mudança da organização. “É por isso fundamental que continuemos a deixar claro, no presente e no futuro, que são esses valores que determinarão as nossas decisões e as nossas iniciativas”, disse.

Protagonismo para Obiang
As normas de protocolo adoptadas pela CPLP foram invertidas na X Cimeira da organização. Foi na terça-feira, à chegada à capital de Timor-Leste vindo de Seul, que o Presidente da República, que lidera a delegação portuguesa, foi confrontado com a alteração.

A mudança mais chocante tinha a ver com os tempos que, em política e diplomacia, são essenciais. Assim, a tradicional foto de família dos mandatários dos oito países-membros da CPLP foi agendada para antes da reunião plenária dos chefes de Estado, cuja segunda parte decorre depois do almoço. Na fotografia já constava Teodoro Obiang, Presidente da Guiné Equatorial há 35 anos no poder, ainda antes de o órgão cimeiro da CPLP, seguindo a recomendação dos ministros dos Negócios Estrangeiros de 20 de Fevereiro, dar a aprovação à entrada do regime de Malabo.

Desde o início, aliás, que o protocolo da cimeira reservara para Obiang o tratamento de chefe de um Estado-membro. Esteve prevista a sua presença na mesa de honra desde o princípio que só os reparos de Portugal alteraram. Assim, Teodoro Obiang passou a estar na primeira fila do auditório, tendo sido chamado depois para a mesa de honra entre os aplausos dos outros chefes de Estado. Cavaco Silva não aplaudiu.

Do mesmo modo, estava programada a presença do Presidente da Guiné Equatorial na reunião plenária durante a qual os chefes de Estado decidiriam a entrada do seu país na CPLP. A observação da delegação portuguesa impediu este facto. Comentando aos jornalistas estas alterações do protocolo, o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros afirmou não estar surpreendido. Na memória recente de Rui Machete estará a presença do ministro dos Negócios Estrangeiros de Malabo, Agapito Mokuy, na foto de família dos chefes da diplomacia dos países-membros da CPLP na reunião de 20 de Fevereiro em Maputo. Naquela sessão de trabalho, os ministros decidiram recomendar à cimeira de Díli a entrada da Guiné Equatorial, pelo que a presença do governante de Obiang foi já, e então, um abuso.

Na primeira parte da reunião plenária da cimeira, Cavaco Silva introduziu a questão da adesão do regime de Malabo. Cavaco Silva chamou a atenção para o que estava em causa, referiu-se, nomeadamente, aos princípios estatutários da CPLP no que toca ao respeito pelos direitos humanos. A intervenção do Presidente da República provocou um debate intenso, com grande participação, traduzindo a relação de forças já conhecida que apontava para o isolamento de Lisboa, se se opusesse à entrada da Guiné Equatorial.

Como é norma da organização e para evitar a introdução de uma dinâmica bilateral, a entrada de um novo Estado-membro implica um consenso não submetido a votação. E foi o que, como estava previsto, aconteceu esta quarta-feira em Díli.

Durante o almoço, o Presidente de Timor e anfitrião da cimeira, seguindo uma sugestão de Cavaco Silva, propôs a Obiang que, na segunda parte da reunião plenária a que já assiste como Presidente de um país-membro da CPLP, se referisse ao cumprimento pelo seu país do roteiro imposto na cimeira de Luanda em 2010. Esse roteiro, entre outros aspectos, previa caminhos na democratização do regime da Guiné Equatorial, nomeadamente a abolição da pena de morte, questão que Malabo afirmou resolver através da adopção de uma moratória.

Sugerir correcção
Comentar