Os desafios de Portugal “não se esgotam na dimensão orçamental”, avisa Cavaco

Presidente diz que a democracia não corre perigo, mas os partidos devem “repensar a sua acção” e assumir responsabilidades.

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Enric Vives-Rubio

Soou a aviso ao Governo, mas também ao sistema político no seu todo, o aviso que o Presidente da República lançou no discurso de encerramento da sessão solene das comemorações do 25 de Abril. “Portugal enfrenta hoje grandes desafios quanto ao seu futuro, desafios que não se esgotam na dimensão orçamental”.

Uma versão actualizada da frase de Jorge Sampaio, que em 2003, enquanto Chefe de Estado, disse: “Há mais vida além do Orçamento”. Ou do défice, como ficou conhecida, estava então a dívida pública em 50% do PIB.

Nesta sexta-feira, Cavaco Silva traçou uma linha divisória entre os progressos alcançados nos últimos 40 anos e os riscos do momento actual. Chamou-lhe desafios: da “potencial insustentabidade dos sistemas de protecção social ao agudizar de situações dramáticas de exclusão e de solidão”. Passando pelo desemprego, que exigiu tornar-se numa “prioridade da acção política”.

Alertou de seguida para os “sinais” de perigo de um país que até já foi um oásis: os que apontam para “um aumento das assimetrias que podem pôr em causa a coesão do país, com as desigualdades na distribuição do rendimento, as situações de pobreza, a desertificação de vastas parcelas do território ou a acentuadas disparidades entre o litoral e o interior”.

Sem esquecer os reformados que “se viram subitamente confrontados com situações que ameaçam o direito a uma existência com dignidade”.

Cavaco virou-se então para os agentes políticos, a quem cabe “estar conscientes destes desafios e apontar um caminho de esperança”. E “repensarem o sentido da sua acção e assumirem a responsabilidade que lhes cabe na construção do futuro de Portugal”.

O Presidente mostrou-se preocupado com a “insatisfação crescente com o funcionamento do nosso sistema político” revelado em varios estudos. E incentivou os partidos a fazerem “uma reflexão serena, mas urgente” sobre as causas.

Identificou algumas: “A tendência para privilegiar o acessório e efémero em detrimento do essencial” ou a  prevalência da “crispação e do conflito”.

Já antes tinha falado noutra dimensão da vida pública, que defendeu dever ser assumida como prioridade: o combate à corrupção. Mas sem pôr em causa a presunção de inocência, o segredo de justiça ou o direito ao bom nome. O que sugere que não é adepto da criminalização do enriquecimento ilícito.

Apelo ao compromisso
A partir daqui, o Chefe de Estado entrou no capítulo tantas vezes repetido do apelo ao compromisso. “Portugal só será um país mais justo se for mais desenvolvido. E só será mais desenvolvido se existir um esforço colectivo para alcançarmos um compromisso quanto aos grandes desígnios nacionais”.

“Sempre que estivemos unidos, estivemos mais próximos de Abril”, afirmou, afastando qualquer unanimismo ou monolitismo do espírito de compromisso. “Não se trata de confundir a abertura ao compromisso com uma unanimidade de pontos de vista, nem com uma neutralização da dinâmica de alternância que é própria das democracias”, defendeu.

Para concluir: “O presente exige de todos nós a mesma coragem com que, há 40 anos, construímos juntos um Portugal livre e democrático”.

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