Oficiais acusam Governo de acções avulsas que degradam capacidade das Forças Armadas

O dever de lealdade para com o poder legítimo não pode sobrepor-se ao da fidelidade para com o pais, afirmam os militares de alta patente que se reuniram em jantar esta quinta-feira.

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Loureiro dos santois entre companheiros de armas Rui Gaudêncio

Reunidos na noite desta quinta-feira num jantar de reflexão, 150 oficiais dos três ramos das Forças Armadas, entre os quais antigos chefes de Estado-Maior, acusaram o Governo de pôr em prática acções avulsas que degradam a capacidade das Forças Armadas. Dois anos depois de, em Fevereiro de 2013, terem manifestado o seu desagrado, voltaram ao tema.

“O discurso laudatório às medidas que têm sido tomadas, apresentadas como reformas estruturantes, não têm sido mais do que acções avulsas, cujo efeito tem sido o degradar da instituição militar”, refere o comunicado final. Esta degradação, explicita o texto, atinge “a organização, capacidades e efectivos, bem como a situação profissional e pessoal de quantos nela [instituição militar] servem e, também, dos seus familiares”.

Um dos alvos dos oficiais é a lei-quadro da Condição Militar que, sublinha, suscita uma desqualificação perversa dos direitos e deveres. “Há indícios de uma aparente vontade de funcionalização dos militares”, alertou à entrada do jantar o general Loureiro dos Santos, porta-voz da iniciativa. “Os militares não são vistos como a instituição que defende a perenidade da Pátria e a independência nacional”, lamentou o antigo ministro da Defesa Nacional dos IV e V governos constitucionais, liderados por Mota Pinto e Maria de Lurdes Pintassilgo. Numa breve fórmula, o militar sintetizou a situação: “Há muitos deveres e menos direitos”.

Ao PÚBLICO, o general Pinto Ramalho, ex-chefe do Estado Maior-do Exército, foi peremptório. “Não vimos aqui discutir vencimentos nem pensões, esse é um contrato de confiança com os portugueses, militares e civis, pelo qual o Governo será apreciado nas urnas”, disse. O comunicado é extremamente crítico com a reforma 2020 desenhada e implementada pelo ministro José Pedro Aguiar-Branco.

“As decisões [da reforma] têm sido materializadas pelo cancelamento da maioria dos programas de modernização, por menos recursos humanos e materiais, menos capacidades e unidades operacionais disponíveis, menos meios em termos nacionais e no âmbito dos compromissos internacionais”, refere o texto. Neste ponto, é destacada a menor prontidão dos meios aéreos e navais nas regiões autónomas.

“Apregoa-se o feito de mais mil milhões de poupanças, ignorando-se os muito mais que serão necessários despender para recuperar o que foi afectado”, estimam. “Para os militares, o dever de lealdade para com o poder legítimo não deve, nem pode, sobrepor-se ao dever de fidelidade para com a instituição militar e o país”, conclui o comunicado.

Quanto ao teor de decisões do conselho de ministros desta quinta-feira, nomeadamente a alteração da Lei Orgânica do Ministério da Defesa e o novo organigrama do Estado-Maior-General das Forças Armadas no quadro da reforma 2020, Loureiro dos Santos explicou ao PÚBLICO que nada têm de novo. Sobre a futura promoção do posto de comodoro ou brigadeiro-geral, o militar foi claro: “Destina-se a manter o paralelo com a estrutura da NATO e reduz custos porque passa a haver menos elementos em cada posto.”

Contudo, os oficiais admitem que houve uma clara intencionalidade política do executivo na divulgação na quinta-feira, data do jantar há muito convocado. “Pretendem dar o sinal à opinião pública de que estão a responder às nossas posições”, comentou um oficial. Recorda-se que em declarações ao PÚBLICO o general Loureiro dos Santos classificou de forma dura o actual ambiente nas Forças  Armadas. “Há insatisfação, porque há dois anos foram feitas promessas que não foram cumpridas”, disse

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