“É um jantar de insatisfação pela forma como as Forças Armadas estão a ser tratadas”

Não querem fazer uma revolta, respeitam a democracia que querem aprofundar. Alertam para as questões da defesa nacional e não admitem a secundarização dos direitos dos cidadãos que são militares.

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Loureiro dos Santos Foto: Nuno Ferreira Santos

Esta quinta-feira à noite, num hotel de Lisboa, cerca de 150 oficiais dos três ramos, entre os quais almirantes e generais, participam num jantar de reflexão sobre a condição militar e a situação da defesa nacional. Em dois anos, é a segunda vez que decorre uma tal iniciativa, marcada pela preocupação e o desagrado.

“É um jantar de insatisfação pela forma como as Forças Armadas e a defesa do país estão a ser tratadas”, diz ao PÚBLICO o general Loureiro dos Santos, mais uma vez porta-voz do encontro de oficiais. “As forças militares existentes são insuficientes, devia haver reforços complementares”, explica o ex-ministro da Defesa e antigo Chefe do Estado-Maior do Exército.

Mais de dois anos depois do jantar que em Fevereiro de 2013 reuniu oficiais críticos da política do ministro José Pedro Aguiar-Branco, os militares regressam a uma singular forma de protesto. “A realização do jantar [de hoje] é a constatação que as promessas feitas há dois anos não foram cumpridas”, lamenta Loureiro dos Santos.

Em 2013, destaca o oficial, havia surpresa no seio das Forças Armadas. “O ministro avançou para um efectivo de 30 mil homens sem dizer como tinha chegado aquele número, o Conceito Estratégico de Defesa Nacional não tinha ainda sido elaborado”, recorda. “O ministro da Defesa Nacional começou por fazer a casa pelo telhado”, sintetiza.

Nem todas as recomendações daquele documento, em cuja elaboração Loureiro dos Santos participou, foram postas em prática pelo ministro da Defesa. O general relembra que o grupo de trabalho de 25 personalidades dirigido por Luís Fontoura defendeu várias propostas, entre as quais um serviço cívico militar de seis meses para jovens, que não foram posteriormente consideradas. “O que está em vigor cria-nos problemas, o ministro Aguiar-Branco fala de reformas estruturantes que não estão de acordo com a lei-quadro da condição militar e são redutoras dos direitos dos militares e das suas famílias”, salienta.

"Desarmamento material e moral"
A lista de falhas vai da assistência na saúde à redução dos apoios sociais, passando pelo sistema de promoções. “Estas deviam ser feitas à medida das vagas, não em bloco como actualmente são feitas, penso que por motivos de gestão orçamental”, aponta Loureiro dos Santos. Os constrangimentos económicos – “o orçamento da Defesa é de 1,1% do PIB quando a NATO aconselha a não baixar dos 2%” – têm naturais consequências.

“Não temos os meios militares necessários para responder às ameaças com que nos podemos confrontar, o que se passa à volta da Europa devia determinar uma resposta para aumentar o número de forças com reservistas treinados periodicamente”, afirma o antigo ministro da Defesa de 1978 a 1980 nos IV e V Governos Constitucionais de Mota Pinto e de Maria de Lurdes Pintassilgo. “Isto não tem sido feito, sei que está em estudo, mas o conceito Estratégico de Defesa Nacional já foi aprovado há dois anos e até agora nada”, constata.

“As Forças Armadas têm resposta para a fase actual de ameaças, mas estas podem aumentar rapidamente a Sul, a Sudeste, a Leste e temos um desarmamento material”, insiste Loureiro dos Santos. A sua preocupação estende-se ao que define como “desarmamento moral”, uma peculiar forma de encarar o papel das Forças Armadas na sociedade. “A defesa da independência do país não é considerada como necessária e nada foi feito para alterar este estado de espírito”, crítica.

À volta destes temas, no jantar está confirmada a presença de 150 oficiais, entre os quais diversos generais e almirantes. Para além do antigo ministro Loureiro dos Santos, estão presentes seis ex-chefes de ramos – almirantes Mendes Cabeçadas, Melo Gomes e Saldanha Lopes, os generais Pinto Ramalho, Conceição e Silva e Taveira Martins – dois antigos presidentes do Supremo Tribunal Militar, Castanho Paes e Almeida Bruno, e o ex-comandante geral da GNR, Mourato Nunes.

“Não estamos dispostos a fazer nenhuma revolta, a democracia foi por nós criada e não queremos derrubá-la, mas aprofundá-la”, comenta Loureiro dos Santos. O general adianta: “Este é o único período da história de Portugal em que há uma democracia completa, é a primeira vez em que os militares no activo não podem inscrever-se em partidos políticos.”

O antigo ministro da Defesa insiste no motivo do encontro desta noite. “Estamos muito interessados que a democracia se mantenha, mas não devemos estar menos atentos às questões de defesa nacional e à secundarização dos direitos dos cidadãos que são militares”. Mas admite ataques. “Possivelmente vamos ser acusados de estarmos a fazer oposição, mas já somos acusados de tantas coisas”, conclui.

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