O que está em causa nas próximas eleições

A última sondagem eleitoral SIC /Expresso confirma várias tendências. Em primeiro lugar, que cerca de 65% dos entrevistados rejeita a coligação e avalia negativamente Pedro Passos Coelho e a ação do Governo. Em segundo lugar, que a maioria dos descontentes vota no PS. E, por fim, que os restantes descontentes dispersam o seu voto por outras forças partidárias ou declaram não ter intenção de votar.

Mas a sondagem revela uma novidade: apesar de os eleitores descontentes serem mais de 65%, corremos o risco de voltar a ter um Governo PSD/CDS, pelo facto de a coligação, mesmo tendo um número inferior de votos, poder conseguir eleger mais deputados tirando vantagem de os dois partidos concorrerem coligados. Ou seja, a dispersão dos votos dos descontentes pelo PS, pelo PCP, pelo BE e pelos pequenos partidos poderá tornar inútil a expressão do descontentamento e o julgamento negativo da ação do Governo por cerca de dois terços dos eleitores.

Ora, o que está em jogo nas próximas eleições não é apenas a expressão do descontentamento da maioria dos eleitores. O que está em jogo é fazer uma escolha entre alternativas de governo. O que está em causa é, neste caso, escolher entre manter o governo da coligação ou construir uma alternativa a este. Evitar o risco de virmos a ter de novo um governo da coligação requer que, nas eleições, se afirme uma força partidária claramente maioritária, com um número de votos e de deputados significativamente superiores aos da coligação. Como o nosso sistema político está muito bipolarizado, apenas o PS tem a possibilidade de eleger um número de deputados superior ao da coligação.

Votar no BE ou no PCP é votar em partidos que, embora elejam deputados, se têm recusado a viabilizar alternativas realistas de governação. Sendo um voto que exprime o descontentamento de muitos eleitores, bem como opções políticas distintas daquelas que o PS defende, é também um voto que, infelizmente, apenas servirá para afirmar o protesto. No dia 5 de Outubro, certamente que muitos dos que assim se exprimiram não gostarão de ver a coligação com possibilidade de formar governo por recusa de os seus representantes em oporem uma coligação de esquerda a uma coligação de direita. Note-se bem, o que faz a inutilidade destes votos não são as opções políticas que representam mas o sectarismo dos partidos que os recebem.

Os votos nos pequenos partidos, que não têm qualquer possibilidade de eleger deputados, exprimem também descontentamento e escolhas políticas diferentes, mas, devemos dizê-lo com toda a clareza, são votos que, depois das eleições, não permitirão retirar qualquer consequência prática para induzir a mudança desejada. Não tendo qualquer possibilidade de eleger deputados, a expressão do descontentamento esgotar-se-á no dia das eleições. O mesmo acontece com a abstenção e os votos brancos ou nulos. Podem exprimir o descontentamento daqueles que não acreditam na política, daqueles que pensam que os políticos e os partidos são todos iguais, mas são votos que não contam se o que estiver em jogo for uma alternativa de governação. No dia a seguir às eleições ninguém mais dará importância a estes votos e eles não terão (podemos considerar que infelizmente) qualquer eficácia para mudar o que quer que seja. Por essa razão, a abstenção e os votos brancos, nulos ou nos pequenos partidos retiram eficácia à expressão do descontentamento e, na prática, beneficiam a coligação.

As ideias negativas sobre a atividade política, sobre os políticos e sobre os partidos políticos, de que são todos iguais, que nada os distingue na maldade e por isso não vale a pena votar estão muito difundidas, mas são ideias erradas. O sistema político e as políticas apenas podem mudar com os nossos votos. Em democracia, pelo voto se julga a atuação dos governos e pelo voto se fazem escolhas. Há certamente outras formas de participação política, mas as eleições são uma forma de participação de que não devemos abdicar, mesmo quando as escolhas são difíceis e não nos satisfazem inteiramente. Nos 40 anos de democracia, através das escolhas eleitorais que fizemos, vimos o país mudar e progredir. Muito do que construímos é o resultado de políticas públicas orientadas para a melhoria das nossas condições de vida. E, apesar de todo o pessimismo que hoje em dia paira sobre nós, importa recordar que houve governos, não apenas do PS, que lançaram e apoiaram políticas públicas como, por exemplo, a educação pré-escolar para todas as crianças, o Sistema Nacional de Saúde, ou o desenvolvimento científico e a promoção da formação avançada de jovens cientistas. E houve governos, como o que agora chega ao fim do seu mandato, cuja ação foi desmantelar as políticas que beneficiavam os cidadãos, foi promover a pobreza, a desigualdade e a concentração excessiva de recursos nuns poucos à custa de muitos. Os Governos e os políticos não são, de facto, todos iguais.

A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico.

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