O “magistrado mais alto da nação” prepara-se para ser banqueiro

O perfil de Paulo Mota Pinto, apontado para a presidência não-executiva do BES, é à medida das exigências do Banco de Portugal, mas a passagem directa da política para a banca levanta dúvidas.

Foto
A experiência de Paulo Mota Pinto no mundo financeiro é muito escassa Rui Gaudêncio

Corria o ano de 1988, um ano de excessos na queima das fitas, em Coimbra. Um morto, por afogamento, no Mondego. Uma centena de estudantes nas urgências do Hospital. Paulo Mota Pinto, na altura com 21 anos, era um dos responsáveis, como o pelouro desportivo e cultural, pela comissão central das festas. Mas a sua forma de comemorar mais um ano na vetusta universidade não podia ser mais tranquila. Um dos pontos altos foi o içar de uma bandeira da Europa, a Comunidade Económica Europeia da altura. Organizou colóquios. Organizou uma largada de pombos, segundo as críticas da época com uma afluência miserável de estudantes.

Também agora, na complexa sucessão no BES, cabe-lhe o papel de contraponto. Os reguladores queriam alguém que não fosse, nem remotamente, identificado com o “passado”. Para o Banco de Portugal, o novo presidente do conselho de administração (não-executivo) do BES deveria ser alguém da área jurídica, livre de qualquer relacionamento com os grandes escritórios de advocacia, e que não pudesse ter a sua “idoneidade” beliscada por nenhuma das suas anteriores actividades. Ricardo Salgado encontrou nele "um profissional com provas dadas no plano jurídico, nomeadamente nos novos quadros regulatórios e de supervisão internacionais".

Aos 47 anos, Paulo Mota Pinto é doutorado em Direito e, além das aulas na Universidade de Coimbra, foi durante nove anos juiz no Tribunal Constitucional. Indicado, em 1998, com apenas 31 anos, pelo PSD, por lá ficou até 2007, avaliando temas tão difíceis como o caso Casa Pia, as queixas sobre a democracia interna no PCP (voto “braço no ar”), o referendo do aborto, entre outros.

Foi, na altura, Marcelo Rebelo de Sousa que o indicou para o lugar: “É um dos meus títulos de glória ter sugerido a Marques Mendes - que concordou entusiasticamente - o seu nome para o Tribunal Constitucional.” Hoje, revela uma fonte próxima, também terá partido de Marcelo a sugestão do seu nome para o BES. De Marcelo e de outro advogado que, há muitos anos, acompanha o percurso de Paulo Mota Pinto. O advogado de Ricardo Salgado, Daniel Proença de Carvalho.

Tal como Marcelo, Proença conhece Paulo desde a sua infância. Durante muitos anos foi um dos amigos mais próximos do seu pai, o ex-primeiro-ministro Carlos Mota Pinto. Ministro da Comunicação Social no Governo que Mota Pinto liderou (nomeado por Ramalho Eanes), entre Novembro de 78 e Junho de 79. Foi Proença que serviu de anfitrião às negociações que antecederam o Governo do Bloco Central (1983-85). Vem dessa altura a admiração de Paulo Mota Pinto por Mário Soares.

A morte de Carlos Mota Pinto, em 1985, com um aneurisma da aorta, aconteceu quando Paulo e os seus irmãos, Nuno, que é economista no Banco Mundial, e Alexandre, advogado, tinham todos menos de 20 anos. Paulo era o mais velho e ajudou a mãe, Fernanda, durante a tragédia.

O bilhete de identidade diz que mede, exactamente 2,00 m. O que lhe abriu, logo, uma vaga na equipa de basquete da Académica, como poste. E lhe deu uma alcunha, mais tarde, no Constitucional: se não era, como o Presidente da República, o mais alto magistrado da Nação, seria, pelo menos o magistrado mais alto… As boas notas na licenciatura (18 valores de média final) abriram-lhe outras portas. Foi um ano e meio para a Alemanha, trabalhar com o maior especialista em contratos bancários. Quando regressou a Coimbra foi contratado para assistente pela Universidade. Mas a política manteve-se no seu horizonte.

Com Manuela Ferreira Leite chega a vice-presidente do partido e ao Parlamento. Preside à comissão de Orçamento e Finanças. Se Manuela dizia que a crise financeira de 2008 era “um abalozinho de terras”, ele dizia que era uma “gripe” passageira.

Mas não será esse o seu principal obstáculo agora, que se prepara para conhecer a banca por dentro. Pior é mesmo a passagem, directa, do parlamento, e do conselho de fiscalização das “secretas”, para o BES. Mota Pinto suspendeu as suas funções, mas as críticas surgiram. E mesmo no interior do BES a sua militância política foi ponderada, antes do convite.

O banco pode valorizar o seu perfil discreto, a sua elogiada “sensatez”, até o seu domínio de seis línguas, entre as quais o alemão – que tanta falta vai fazer nos contactos com o BCE em Frankfurt. Mas a sua experiência no mundo financeiro é muito escassa. Conta apenas com uma passagem como consultor no BPI, a convite do velho amigo da família Artur Santos Silva, que foi quem pôs Francisco Sá Carneiro em contacto com Carlos Mota Pinto pela primeira vez, em 1974, antes da fundação do PSD.

Só que os tempos são difíceis, no BES. E a capacidade de falar com tantos políticos influentes – de Cavaco Silva a Pedro Passos Coelho – é a mais notória das qualidade públicas de Paulo Mota Pinto. Sobretudo quando o banco que agora o quer contratar acaba de tentar um apoio estatal, que foi recusado. E todo o sector financeiro está, directa, ou indirectamente, dependente dos Estados e das instituições comunitárias.

Helena Garrido, no Jornal de Negócios, questiona: "Para se perceber a racionalidade da escolha é preciso entrar em raciocínios indesejáveis, sobre pressão e influência política. A opção por um perfil como o de Mota Pinto, conjugada com a notícias de que Ricardo Salgado tentou que o primeiro-ministro validasse um empréstimo ao Grupo Espírito Santo, reforçam a posição dos que consideram estarmos perante uma decisão que tem como principal objectivo pressionar o Governo do PSD."

Os seus amigos apontam-lhe um comportamento ético “irrepreensível”. Um pouco como o pai, que ficou ultrajado e se demitiu da liderança do partido, quando, em certa reunião, foi confrontado por um opositor com o desaparecimento de um contributo para o PSD. Para aceitar, Paulo Mota Pinto deve ter pensado se seria possível, como na queima das fitas de 1988, estar num banco e passar ao lado do tumulto, fazer a festa com uma largada de pombos.

Sugerir correcção
Comentar