Emergência orçamental: cenários possíveis

O Partido Socialista terá de ser claro junto do eleitorado no sentido de preservar a sua coerência – especialmente em matéria europeia.

A aproximação do final do ano e a incerteza do novo governo no quadro parlamentar colocam à política orçamental uma série de dúvidas. Vejamos os cenários possíveis de emergência.

Primeiro, o modelo de prorrogação do Orçamento. Ao adoptar o modelo da prorrogação da vigência do Orçamento do ano anterior, o legislador nacional resolveu um problema que se arrastava há já vários anos, que dizia respeito à necessidade de decretos de execução orçamental para sustentar este regime.

A prorrogação do Orçamento não abrange, contudo: (1) as autorizações legislativas contidas no articulado que devam caducar no final do ano económico; (2) as autorizações para a cobrança das receitas, cujos regimes se destinam a vigorar até ao final do ano a que a lei respeita; (3) e as autorizações de despesa respeitante a serviços, programas e medidas plurianuais que devam extinguir-se até ao final do ano económico em causa.

As medidas que caem do lado da receita e do lado da despesa são todas as transitórias, a saber: a sobretaxa do IRS, a contribuição extraordinária de solidariedade, do lado da receita, e a redução remuneratória e o congelamento de pensões, do lado da despesa. Podemos ter algumas dúvidas do como caem, mas há algo que as deita por terra no dia 31 de Dezembro – a sua transitoriedade, aliás, secundada e vigiada nos últimos anos pelo Tribunal Constitucional, que, tendo oportunidade, não deixaria espaço para novas dúvidas.

Em segundo lugar, falemos de um governo de gestão. Entendemos que, em princípio, um governo de gestão não pode apresentar uma proposta de lei do Orçamento. Efectivamente, de acordo a Constituição, após a sua demissão, o Governo limitar-se-á à prática dos actos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos. Ora, a apresentação de uma proposta de lei do Orçamento não se limita à prática de actos que visam assegurar a mera gestão dos negócios públicos.

Contudo, pode acontecer que, verificando-se manifesta insuficiência dos meios financeiros previstos no Orçamento do ano anterior para a prossecução do funcionamento normal do Estado e da administração, será possível ao Governo utilizar o seu direito de iniciativa em matéria orçamental junto da Assembleia da República – em princípio apresentando uma proposta de alteração à lei do Orçamento em vigor. Frisa-se, porém, que se trata de um procedimento excepcional, que não pode envolver autorização de despesas para projectos novos ou decorrentes de alterações de fundo na política económica, nem para a cobrança de receitas que visem financiá-las.

Finalmente, as soluções alternativas de governo empossado ou novo governo minoritário, com apoio de esquerda, perante a iminência da apresentação de uma solução de rejeição.

De facto, não é crível que o Presidente da República arraste a solução para o próximo Presidente, que tomará posse a 9 de Março de 2016. Aliás, o primeiro-ministro optou pela solução mais dramática – a possível queda do Governo. O risco que se corre não é apenas político – é também de confiança política e económica. As taxas de juro da dívida e o rating da República podem ser afectados no imediato. Se se fala de riscos – a responsabilidade obviamente é dos dois maiores partidos.

A partir de agora todos os partidos vão estar a pensar nas eventuais eleições – que serão, previsivelmente, antecipadas relativamente ao prazo normal (2019). Essa circunstância vai condicionar a confiança económica, sendo que há neste momento riscos acrescidos na conjuntura internacional.

O Partido Socialista terá de ser claro junto do eleitorado no sentido de preservar a sua coerência – especialmente em matéria europeia. A insistência na posição do Partido Comunista Português e do Bloco de Esquerda sobre o Tratado Orçamental é muito perturbadora. Importa não esquecer que o Tratado Orçamental não vale por si só. É instrumental do tratado da União Europeia. O PS não pode assumir a diabolização dos compromissos europeus – uma vez que, se o fizer, perde margem de manobra para negociar e assumir uma interpretação flexível do ajustamento.

Assim sendo, o quadro orçamental também se afigura complexo com estes aparentes cenários de busca de estabilidade governativa à esquerda e à direita. Não nos podemos esquecer que há regras orçamentais que têm de ser cumpridas – havendo consequências negativas (nos fundos comunitários, no custo da dívida pública), se não se conseguir um saldo primário positivo na execução orçamental. E aqui a emergência orçamental surge de forma mais grave…

Professor da Faculdade de Direito de Lisboa

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