Costa contra a muralha dos “absolutamente” indecisos

Muita rua e algum medo para chamar os indecisos. Houve ombros para carregar Costa, mas também dedos em riste a apontar a desconfiança. No final da campanha, o PS continuava sem certezas.

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Paulo Pimenta

Ainda antes da campanha começar, Costa já sabia qual era a muralha que tinha de fazer ruir. Os “focus groups” que o PS testara davam nota da enorme massa de eleitores que não sabiam ou não queriam ir às urnas decidir a próxima legislatura, apesar do descontentamento que reconheciam em relação à coligação.

A campanha oficial arrancou sem que o candidato a primeiro-ministro deixasse mostrar a sua preocupação com esse desafio. Bastou, contudo, uma semana para que António Costa se rendesse à inevitabilidade de escalar essa parede.

No passado sábado, na primeira passagem pelo distrito do Porto, o socialista já recorria à mais leiga linguagem para assustar os indecisos com aquele que julgava ser seu maior medo. "Nestas eleições não se trava mais um jogo em que se pode empatar e ganhar depois, nem sequer é uma eliminatória em duas mãos. Ou se ganha ou se perde para quatro anos", diria no comício do Porto. Depois disso, repetiu-o por toda a parte, em Braga, Setúbal, Lisboa, Coimbra e Aveiro.

Quase uma semana depois, outra vez no Porto, depois de tantas vezes repetida a mensagem, já só restava a Costa fazer jogos de palavras com a palavra decisiva: “Desta vez cada voto voto vai ser absolutamente essencial para garantir um resultado absolutamente inequívoco de uma maioria absoluta para não dar pretextos a ninguém para não nomear na 2ª feira um Governo PS.”

Costa já não pretendia que os eleitores votassem convictos no PS. Já só se contentava, como o reconheceu no almoço de ontem em Gaia, com os que “gostando mais ou menos do PS” votariam nele para “derrotar esta direita”.

Para isso, tentou mostrar-se ao país. Saiu à rua em todos os distritos por onde passou. Abria os braços a todos os que se lhe dirigiam, ouvindo o que queria e também, inevitavelmente, o que não pretendia. A expressão de apoio “É p’ra ganhar, pr’a correr com eles!” foi a que mais ouviu.

Em contraponto teve também de escutar vozes que transpiravam descontentamento e desconfiança. Criticaram-lhe a batalha contra Seguro e apontaram-lhe a imagem de “mais do mesmo”. “Eu dou-llhe a minha dúvida”, disse-lhe uma eleitora mas com o dedo em riste em jeito de aviso. “Daqui a 4 anos eu venho e se eu não tiver feito nada, a senhora ralha-me”, tentou descansar Costa.

O director de campanha, Duarte Cordeiro, fez, no entanto, um balanço positivo. “Correu sempre melhor e com mais gente do que o que tínhamos previsto para os espaços que escolhíamos”, garantiu. As provas desse calor chegaram em Queluz, Guimarães, Barcelos e Porto, por exemplo, onde o candidato foi levantado ou levado em ombros à frente da sua caravana.

Mas essa disponibilidade da caravana deu origem a alguns sustos. Como quando um jovem conseguiu subir a um dos palcos e, empunhando um cartaz, interrompeu o líder do PS para manifestar a sua aspiração: “Quero pôr os políticos a limpar as florestas, todos em coligação a limpar as florestas.”

Em defesa da caravana, Duarte Cordeiro lembrou que as saídas provavam que Costa podia “estar em qualquer local sem que surgissem problemas”. Até porque o líder estava disponível para ouvir. Um grupo de professores esperou por Costa no Porto e teve tempo de “entregar o seu caderno encargos e falar com ele”.

Apesar da mobilização, houve locais onde esta não atingiu todo o seu potencial. E a verdade é que, mesmo que a liderança não o reconhecesse, as feridas abertas com as primárias internas tiveram o seu impacto. Em Coimbra, onde o líder da distrital foi apoiante de Seguro, a campanha coleccionou pormenores desagradáveis: “Caravana desviada dos sítios onde há gente”, demorando em “arranjar-se um simples carro de som” e até mesmo no almoço que se revelou um sucesso, com cerca de 800 participantes. A primeira marcação implicava o pagamento de 15 euros. “Teve que se mudar o sítio no princípio da semana” para evitar um fiasco de presenças. Cordeiro não viu “reflexo” disso na camapnha. “Os confrontos internos resolvem-se com o tempo”, rematou.

Além disso, António Costa teve, algumas vezes, de desviar-se do guião definido para a campanha. Os mil milhões da Segurança Social atrapalharam, com o líder do PS a ter de ir a jogo durante quatro dias para explicar as contas do PS. “Foi-se dando a explicação que se considerou necessária”, retorquiu o director de campanha antes de explicar que isso era um risco. “Quanto mais explicamos mais assegurávamos o assunto na agenda.”

O que quase nunca esteve na agenda da campanha socialista foram os partidos à esquerda. Os socialistas evitaram o antagonismo. “Nós sabemos bem qual é o nosso adversário”, repetiu Costa em Beja, Évora ou Setúbal. E mesmo quando pediram o voto útil, fizeram-no quase que pedindo desculpa à esquerda. Em jeito de balanço, Cordeiro foi mais acutilante: “O PCP e BE são laterais, o nosso adversário sempre foi o governo da direita. O PCP e o BE é que começaram a antecipar o voto útil”, resumiu o jovem socialista.

Sobre entendimentos necessários, a mensagem foi sempre a mesma, focando no “comportamento previsível” que Costa garantia com o seu passado em Lisboa. “Na câmara, Costa fez uma coligação com o BE e uma reforma fiscal com o PSD”, recordou Cordeiro. A isto Costa foi contrapondo nos comícios a “cristalização” de Passos, o primeiro-ministro que "nunca celebrou acordos com ninguém".

Resta agora saber quem, daqui a dois dias, ficará em condições de negociar acordos. Mas não foi de bom augúrio socialista ouvir ontem António Costa nos directos televisivos dizer: “Não atirarei a toalha ao chão.”

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