Como a saída de Jardim tramou o CDS-Madeira

A segunda força política na assembleia madeirense sofreu uma pesada derrota nas últimas legislativas. Ficou-se pelo quinto resultado, perdeu o deputado que tinha em São Bento e ficou sem o líder histórico.

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Alberto João Jardim Foto: Adriano Miranda

Quando a meio de Dezembro, Ricardo Vieira, histórico líder do CDS-Madeira, abandonou o XV Congresso regional do partido, levando com ele metade dos congressistas, já não era possível disfarçar os problemas internos daquela que é a maior força política da oposição no arquipélago.

Em discussão estava a sucessão de José Manuel Rodrigues, que liderou o partido durante quase duas décadas, levando o CDS-Madeira dos tradicionais dois deputados para a liderança da oposição, primeiro com nove parlamentares (em 2011), e actualmente com sete, após as regionais de Março de 2015.

Rodrigues demitiu-se após a hecatombe eleitoral das legislativas de Outubro, em que o partido recuou para resultados de 2007. Perdeu quase 20 mil votos, um líder regional carismático, um presidente nacional aglutinador e um inimigo político tradicional.

Sem Rodrigues na Madeira, Paulo Portas em Lisboa e Alberto João Jardim para combater, o CDS perdeu espaço político. O surgimento de um novo partido na Madeira, o Juntos Pelo Povo, o efeito nacional do Bloco de Esquerda e o aumento da abstenção, fizeram o resto, relegando os centristas para quinta força mais votada nas legislativas, perdendo assim o deputado que tinha em São Bento.

“A saída de cena de Jardim esvaziou e anulou os comportamentos de uma série de protagonistas que já se tinham habituado a apenas argumentar contra essa liderança truculenta e, nos últimos anos, totalmente desnorteada”, comenta ao PÚBLICO Agostinho Silva, sub-director do Diário de Notícias do Funchal, argumentando que era “fácil ter razão” perante a postura “egocêntrica e desfasada da realidade” do ex-presidente do governo madeirense.

O CDS-Madeira de José Manuel Rodrigues, acrescenta Agostinho Silva, foi mais um dos partidos que não soube gerir a ausência de um adversário simples de combater, sublinhando que o “desaparecimento de Jardim” da cena política, deveu-se não à oposição mas a um adversário interno, o actual chefe do executivo e líder do PSD-Madeira, Miguel Albuquerque. “[Isto] retirou quase toda a margem de manobra aos opositores dos outros partidos”, nota.

Luís Filipe Malheiro, comentador político, reconhece também que a saída de Jardim contribuiu para o recuo eleitoral dos centristas, mas aponta outras razões. “Admito que a mudança de liderança no PSD-Madeira - apesar de eleitoralmente não ter beneficiado muito os social-democratas, como os resultados o demonstram - pode ter penalizado o CDS-Madeira, mas acredito que foram os quatro anos de governação nacional e uma colagem excessiva a Paulo Portas que o prejudicou”, explicou ao PÚBLICO, dizendo que o crescimento eleitoral do partido nos últimos anos foi “ilusório”.

Para esta subida, Malheiro aponta dois momentos. Em 2007, quando Jardim pediu a demissão em protesto contra a revisão de José Sócrates da Lei das Finanças Regionais, o PS-Madeira saiu fragilizando. Perdeu mais de 21 mil votos em relação às anteriores eleições, e desde então ainda não consegui recuperar esse eleitorado. Quatro anos depois, quando a dívida oculta regional estava na agenda política, os socialistas não tinham capacidade para capitalizar essa polémica, aproveitando o CDS-Madeira para assumir o papel de principal partido da oposição.

“A minha conclusão é que o crescimento eleitoral do CDS-Madeira em 2011 foi ilusório e que provavelmente a realidade eleitoral regional vai-se clarificando, o que implicará a descida do CDS para valores da ordem dos 7 a 9 mil votos”, prevê Filipe Mallheiro.

Agostinho Silva fala na necessidade de “reinventar” formas de combater este PSD-Madeira de Albuquerque, que é totalmente diferente do jardinismo, e aponta falhas estratégicas em José Manuel Rodrigues. “Para se perpetuar no poder, cometeu o erro de tentar controlar tudo e todos, chamando o antigo líder Ricardo Vieira para a política activa, aumentando à sua volta o número de dirigentes sem qualquer capacidade de atrair novos simpatizantes, em vez de renovar e abrir o partido a novas sensibilidades”, diz o sub-director do DN-Funchal, que partilha da opinião de Filipe Malheiro sobre o futuro próximo dos centristas, principalmente depois do atribulado processo de sucessão.

“O partido mostrou que estava pior do que se via cá de fora”, observa Agostinho Silva, justificando com o “desespero” da ala mais conservadora encabeçada por Ricardo Vieira, e pela fraca determinação de Rui Barreto, ex-deputado em São Bento, que era apontado como sucessor de José Manuel Rodrigues. ”Quando era preciso afirmação e determinação, aceitou a liderança do grupo parlamentar e cedeu espaço a um líder sem carisma [Lopes da Fonseca], que está tão fragilizado que até anunciou ser um líder de transição.”

O próprio líder dos centristas reconhece que o partido não ficou bem na fotografia do congresso. “O CDS perdeu por não ter havido um debate mais alargado sobre as estratégias a adoptar”, concede António Lopes da Fonseca ao PÚBLICO, desvalorizando no entanto o abandono de Ricardo Vieira do congresso. “Os actos ficam com quem os pratica”, afirma.

Já sobre Jardim, Lopes da Fonseca diz que o ex-dirigente social-democrata foi sempre o “epicentro” do combate político do partido, mas garante que ao contrário de outras forças da oposição o CDS-Madeira sempre apresentou ideias e alternativas. “Fechamos um ciclo de 20 anos com José Manuel Rodrigues, e temos agora que olhar o futuro, e o futuro são as Autárquicas de 2017”, diz, repetindo o que disse no último congresso: “O meu objectivo é fazer a transição, e estou preparado para apoiar Rui Barreto se apresentar uma candidatura à liderança no próximo congresso”.

Até lá, o CDS-Madeira vai continuar com um peculiar grupo parlamentar na assembleia madeirense, onde se sentam lado a lado, dois ex-líderes do partido (José Manuel Rodrigues e Ricardo Vieira), o actual presidente (Lopes da Fonseca) e um ex e futuro candidato à liderança (Rui Barreto).

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