Carlos Costa desvaloriza poderes do Parlamento, deputados contestam

Governador considera que as comissões parlamentares têm um “papel restrito” na fiscalização do Banco de Portugal e que as suas audições podem nem ter “nexo”.

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Carlos Costa desvaloriza o papel das comissões parlamentares Daniel Rocha

Este é apenas o último episódio numa relação tensa que se mantém desde a crise do BES, há um ano. Carlos Costa recusa-se a fornecer aos deputados o relatório da auditoria interna que avaliou a actuação do regulador no processo BES. Os resultados desse “grupo de trabalho interno para analisar os modelos e as práticas de governo, de controlo e de auditoria das instituições financeiras em Portugal” já estão nas mãos de Costa. Mas só são públicas as 36 recomendações finais, e não os eventuais reparos feitos à actuação do supervisor.

O PS, pela voz do deputado Pedro Nuno Santos, solicitou – na última audição de Carlos Costa, na Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública, em 12 de Junho – que fossem enviados ao Parlamento os restantes pontos do relatório. Carlos Costa negou.

Na altura, escudou-se no dever de “sigilo”, por haver matérias sujeitas a reserva no documento. O deputado contrapôs que não desejaria conhecer as matérias envoltas em sigilo bancário, apenas as apreciações do grupo de trabalho sobre a actuação do BdP.

Carlos Costa fez então chegar à Comissão um parecer sobre “o dever de segredo do Banco de Portugal perante a Assembleia da República”. E é esse o novo ponto de clivagem entre os deputados e o governador.

Nesse parecer, o BdP afronta directamente a comissão. Diz que esta desempenha “um papel que não pode ser confundido com o exercício, ainda que delegado, dos poderes constitucionais do Parlamento”. Considera que a comissão exerce “uma função auxiliar relativamente ao desempenho da competência de fiscalização política da Assembleia da República”. Atribui-lhe um “papel restrito” – resumindo a margem de manobra dos deputados a “informar-se e recolher elementos destinados ao exercício das competências políticas e legislativas”.

Afirmando que o BdP não responde “perante a Assembleia” por pertencer a um lote de entidades que não estão “sujeitas a uma fiscalização política própria” , Carlos Costa entende que, neste caso, “as audições em comissão perdem mesmo o seu nexo”, “ficando limitadas a uma função informativa”.

Esta posição motivou uma carta do Presidente da comissão, Eduardo Cabrita, à Presidente do Parlamento, Assunção Esteves, manifestando a sua “preocupação” pelas “considerações sobre as funções e competências das Comissões parlamentares”. Cabrita sugere à presidente que peça um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre as considerações expostas pelo BdP.

Mas a prova de que o papel da comissão não é assim tão “restrito” está na própria competência que a lei lhe atribui de fornecer ao Governo um relatório sobre a escolha do Governador. Apesar de tudo, a nomeação de Costa passa pelos deputados, que no caso aprovaram, com os votos a favor de PSD, CDS e PCP, a abstenção do PS, e a ausência do BE, o relatório que servirá de base à nomeação por mais um mandato de cinco anos de Carlos Costa.

Quanto à auditoria interna, o PS promete agora recorrer à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos para forçar o BdP a entregar o relatório – ainda que expurgado de todos os seus “segredos”.

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