Ato falhado, país entalado

Passaram já 17 anos sobre a Revisão Constitucional de 1997, que o mesmo é dizer, sobre a altura em que se tornou possível a alteração da lei eleitoral para a Assembleia da República.

Em resumidas contas, o texto constitucional então alterado admitiu a criação de círculos eleitorais uninominais em conjugação com um círculo nacional; para além disso, o número de deputados – que até aí era fixado em um mínimo de 230 e um máximo de 235 – fixou-se num mínimo de 180 e num máximo de 230. E, no entanto, tudo continua como estava, mau grado o clamor geral em relação à inadequação do nosso sistema eleitoral, cujo sintoma mais notório é levantar-se no Parlamento de vez em quando um deputado que nem os vizinhos sabiam que o era.

Poderia pensar-se que a imobilidade se mantém porque é conveniente aos dois maiores partidos, que doutra forma podiam vir a sair prejudicados. Nada mais falso. Basta atentar-se que já foram anunciadas iniciativas legislativas para dar seguimento ao sentido da Revisão de 1997, provindas de líderes do PS e do PSD, mas nunca se avançou. Os partidos da oposição na altura (para não falar já de certas personalidades anquilosadas do regime) e mesmo a oposição dentro dos próprios partidos sempre trataram de dinamitar qualquer processo com a colaboração prestimosa dos meios de comunicação (basta falar-se em diminuição de representatividade para logo, acriticamente, se arrepiar!). Veja-se, entre outras, esta última tentativa de António José Seguro, que logo teve a oposição dentro do próprio partido.

Mas, perguntar-se-á: se em 1997 a Revisão Constitucional apontava para aí porque é que ficamos parados? A resposta é simples e explica a ratoeira em que estamos metidos: os senhores deputados constituintes de 1997 sujeitaram a aprovação da legislação eleitoral para a Assembleia da República à aprovação de dois terços dos deputados. Esqueceram-se, porém, ou nem sequer se deram ao trabalho de pensar, que tal exigência inviabilizaria qualquer hipótese de alteração. A luta política do dia-a-dia não permite consensos alargados (de dois terços) nestas matérias. Deveria então admitir-se que estas matérias de regime prescindissem da maioria qualificada de dois terços? De forma alguma. O que deveria ter-se estabelecido é que a Lei de Revisão Constitucional de 1997 apenas entraria em vigor aquando da aprovação das alterações das leis eleitorais (trata-se, na verdade, de "matéria constitucional"). Tal foi estabelecido, por exemplo, na Revisão de 1982, quando foi criado o Tribunal Constitucional, que apenas entrou em vigor com a aprovação da Lei do Tribunal Constitucional.

Compreende-se deste modo que a Revisão de 1997 tenha sido, naquilo que mais a motivou, um ato falhado. Pior do que isso, deixou o país entalado, pois não se vê forma de se conseguir o consenso exigido para alterar a lei eleitoral; enquanto isso, os partidos que ainda podem fazer essa maioria de consenso correm o risco de perder essa possibilidade, pela fragmentação dos votos e alargamento dos partidos oponentes por natureza e por conveniência a essas alterações. O que acarretaria o anquilosamento total e pantanoso do regime.

Em rigor, nada disto é de estranhar num país em que o legislador fixa em número par (230) o número de deputados à Assembleia da República. Tal singelo descuido já deixou uma vez o país empatado (no pântano, como então se disse). O drama é que nem para alterar isso a nossa classe política se consegue entender. O psicodrama é que esse mal genético já há muito foi (em vão) diagnosticado.

Presidente do Centro Regional do Porto da Universidade Católica Portuguesa

 

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