“A crise não é um intervalo de turbulência entre dois tempos de normalidade”

José Manuel Pureza lançou um livro onde critica “a crise como política”.

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José Manuel Pureza Daniel Rocha

O “espírito do tempo” manifestou-se de forma particularmente visível nesta quarta-feira, na Fundação Saramago, em Lisboa. No dia em que as instituições credoras internacionais e a Grécia estabeleceram novas “linhas vermelhas” nas suas arrastadas negociações, José Manuel Pureza, ex-líder parlamentar do Bloco de Esquerda lançou um livro em que defende que “nesta Europa não há plano B”.

O livro chama-se, precisamente, “Linha Vermelhas: Crítica da crise-como-política”. A apresentação “bicéfala” – como ironizou o autor – coube a Mariana Avelãs, especialista em línguas e literatura e activista dos movimentos sociais anti-troika, e a Viriato Soromenho Marques, filósofo e defensor de uma Europa que Pureza não vê no horizonte.

Na assistência estava um retrato da capacidade de diálogo deste professor de Relações Internacionais da Universidade de Coimbra. Catarina Martins, a líder do BE; Ana Drago, que acaba de ser eleita nas primárias do Livre/Tempo de Avançar como segunda candidata por Lisboa às legislativas, e várias personalidades das várias esquerdas a quem o livro se dirige. De forma mais, ou menos, crítica.

Porque Pureza é claro a defender um ponto de vista. Não quer “substituir a alternativa pelo equívoco”. Ou seja, critica a forma como os partidos socialistas e social-democratas se posicionam perante o problema europeu. Mariana Avelãs concorda com esta leitura de que a social-democracia “procurou combater a direita ficando-lhe com as ideias”. E lembrou um dos momentos em que o “centrão europeu” (expressão de Pureza) esteve de acordo numa receita que, para o autor, “ilegaliza o estado de bem estar nas periferias internas” da UE: O Tratado Orçamental que, para Avelãs, “plasma toda esta ideologia da crise como política”.

Viriato Soromenho Marques começou por salientar que Pureza não tentou fazer “um livro edificante”. Elogiando, tal como Avelãs, a forma como o autor passou do registo das crónicas semanais (no DN) para o de um livro totalmente reescrito e coerente, Soromenho Marques  notou os “sintomas de analogia” entre a situação actual e o pós-crise de 1929 (que haveria de levar a Europa a ser dominada pelo fascismo e o Mundo a mais uma guerra).

Num dos pontos em que se mostrou de acordo com Pureza, o apresentador defendeu que “o sistema bancário português faz parte do aparelho de Estado, não apenas porque o manipula, mas porque há uma relação perigosa, patológica. Qualquer reforma da democracia tem de passar por aqui.”

Para Soromenho Marques, “estamos a viver uma crise profunda da história de Portugal.  Vai ficar na história, como a crise de 1383.” E, agora como então, “a maioria da nossa elite passou-se para o outro lado”. 

Mesmo discordando da forma como Pureza encara o “federalismo” europeu, Soromenho Marques qualificou de ”monstruosidade” a união monetária criada com a “capitulação” das duas correntes políticas históricas da Europa do século XX: a social-democracia e a democracia-cristã.

Pureza anotou as divergências e gracejou: “Depois de vos ouvir aqui hoje, fiquei com muita vontade de comprar o livro e de o ler.”

No final, lembrando a dedicatória que fez a Miguel Portas – o livro começa com um texto escrito por Pureza dois dias após a morte do fundador do BE – o autor reforçou a ideia: “Aquilo a que chamamos crise não é um intervalo de turbulência entre dois tempos de normalidade”.

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