És jovem e queres comprar uma casa? É difícil, mas não é impossível
É o maior investimento da maioria dos portugueses, incluindo jovens: a compra de casa. No Dia da Poupança, chamamos a atenção para a importância do dinheiro amealhado mesmo no acesso ao crédito.
Há formas mais simpáticas de começar um texto, mas a realidade não ajuda: comprar uma casa é cada vez mais difícil para quem tem rendimentos baixos e pouca ou nenhuma poupança acumulada. Há vários factores a concorrer para isso: os preços das habitações estão muito elevados, mesmo no segmento das usadas, e as regras para pedir um empréstimo bancário têm sido substancialmente “apertadas”. Para dificultar mais as coisas, as taxas de juro começaram a subir de forma acelerada.
Mas encontrar uma casa com uma renda acessível também não é fácil e, com alguma frequência, o valor da renda é superior ao valor da prestação de um empréstimo (embora os custos de compra de uma habitação não se possam medir apenas pelo montante pago mensalmente). Daí que seja importante conheceres as novas regras do crédito à habitação, ou melhor, os novos limites. Se concluíres que não é possível concretizar já esse projecto, talvez possas fazer um plano de poupança para o conseguires a médio prazo.
Este trabalho não tem a pretensão de ser um guia completo sobre compra de casa com recurso a crédito, mas apenas responder a algumas dúvidas, parte das quais nos chegou via stories no Instagram, e explicar alguns termos técnicos utilizados frequentemente na informação sobre o crédito à habitação.
Quanto dinheiro é que o banco me pode emprestar para comprar uma casa?
Até há poucos anos, era relativamente fácil conseguires um financiamento correspondente a 100% do valor da aquisição. Entretanto, essa “facilidade” acabou e, por determinação do Banco de Portugal (BdP), foram introduzidos vários limites, que os bancos têm de cumprir. Assim, e nos casos em que se pretende comprar uma casa para habitação própria e permanente, o empréstimo, salvo algumas excepções, deverá ascender apenas a 90% do valor do imóvel dado em garantia. E, neste caso, o valor do imóvel corresponderá ao mais baixo de dois valores: o da aquisição ou o da avaliação (esta última, realizada por um perito avaliador, é habitualmente mais elevada). A relação entre o empréstimo e o valor do imóvel passou a ser designada por rácio de LTV (a sigla inglesa de loan-to-value) . Exemplificando, num empréstimo para compra de habitação no montante de cem mil euros, o banco só poderá, à partida, emprestar 90 mil euros. Mas esta percentagem ainda poderá baixar em função de outras variáveis.
O que é a “entrada”? Sem entrada não consigo comprar casa?
Esta foi uma das dúvidas mais colocadas no Instagram. A entrada corresponde ao montante que o comprador tem de dispor para pagar a parte do imóvel que o banco não vai financiar. À partida, é a diferença entre o LTV fixado, de 90% para habitação própria, ou de 80% para uma segunda casa ou para a compra de um imóvel para arrendamento, até ao valor total de aquisição. No exemplo da compra de uma casa por cem mil euros, com LTV de 90%, a “entrada” corresponderá a pelo menos 10%, ou seja, a dez mil euros, para além de despesas administrativas e fiscais. O financiamento a 100% do valor de compra só é possível no caso de a casa pertencer aos próprios bancos, “entregue” por clientes que deixaram de a pagar. Mas são muito poucas as situações em que isso ocorre. Por isso, dispor de uma poupança é o primeiro passo para a obtenção de um empréstimo.
O montante do empréstimo depende do meu rendimento?
Esta é a segunda grande “barreira” que vais ter de superar. A decisão de conceder o empréstimo vai depender muito do “peso” que a prestação vai ter no teu rendimento disponível, ou seja, terá de corresponder entre 30% e 35% do teu dinheiro que sobra depois de impostos. Aqui, o “polícia” dos bancos estabeleceu que a “taxa de esforço” ou, em linguagem “financeira”, o DSTI (a sigla inglesa para debt service-to-income), não deve ultrapassar 30% a 35% do rendimento disponível. Ou seja, o custo do empréstimo à habitação não deve representar mais do que estas percentagens.
Mas não é só. Para empréstimos associados às taxas Euribor, que sofrem oscilações, como as que se estão a verificar, o BdP impôs o cálculo da taxa de esforço num cenário hipotético de agravamento da taxa de juro em três pontos percentuais, havendo ainda a considerar os encargos de outros empréstimos que possas ter, como um crédito automóvel. O cálculo do DSTI, com estas duas exigências, não pode ultrapassar 50% do teu rendimento. Caso contrário, acende-se uma luzinha “vermelha” e o empréstimo é recusado, ou o montante a emprestar terá de descer. Se optares por uma taxa totalmente fixa, em que a prestação não muda durante o prazo contratado, a questão do agravamento da taxa não se coloca.
Por quantos anos posso pedir empréstimo?
Nesta matéria, há alterações recentes. A duração do empréstimo passou a depender muito da tua idade. No caso de teres idade inferior ou igual a 30 anos, pode ir até 40 anos, depois começa a diminuir. Para quem tem entre 30 e 35 anos, o prazo do crédito pode ir até 37 anos. Mas para quem tem mais de 35 anos, a duração máxima já será de 35 anos. Quanto maior for o prazo, menor será a prestação do empréstimo (embora o custo total do empréstimo seja maior, porque pagas juros durante mais tempo, para além de outros encargos) e maior será o montante que podes pedir. Mas se o pagamento do empréstimo se estender para além dos 70 anos, o cálculo do DSTI vai ter de incluir um desconto expectável no rendimento disponível a partir dessa data.
O que são as Euribor? Quem as define e às taxas fixas?
As taxas Euribor correspondem ao preço a que um conjunto alargado de bancos (57) empresta dinheiro entre si. São fixadas diariamente e oscilam porque os valores praticados entre bancos são influenciados pelas taxas de juros praticadas pelo Banco Central Europeu (BCE), nos empréstimos que concede directamente aos bancos. Actualmente, o BCE está a subir as suas taxas e as Euribor já anteciparam esse movimento. Para os empréstimos, o que conta é a média do mês anterior ao da assinatura dos contratos. O mesmo vale para as actualizações futuras, que acontecerão a cada três, seis ou 12 meses, conforme a taxa de juro que está no contrato inicial. Actualmente, os bancos praticamente só utilizam a de 12 meses. As taxas fixas também seguem a tendência de empréstimos de longo prazo, mas o processo é mais complexo, dependendo mais da decisão de cada banco.<_u53a_p>
Devo escolher uma taxa de juro fixa ou variável (Euribor)?
Não é fácil saber qual é a melhor opção. A taxa variável, que é a que está associada às taxas Euribor (a três, seis ou 12 meses), pode registar fortes oscilações. Depois de sete anos em valores negativos, por exemplo, as Euribor estão actualmente a registar subidas muito expressivas, situando-se acima dos 2,5% no caso do prazo a 12 meses. As taxas fixas têm habitualmente um valor mais elevado, mas não sofrem alterações no período contratado. Há ainda as taxas mistas, fixas durante alguns anos e depois variáveis. Esta opção merece uma análise cuidadosa, porque não garante uma estabilidade duradoura.
O que é o spread?
É uma margem que os bancos cobram e somam à taxa que escolheres (fixa ou variável) e depende de vários factores, alguns objectivos, como o LTV e o DSTI, a tua idade ou a duração do empréstimo, de que já falámos. Pode ter um valor mais baixo se aceitares, por exemplo, que o seguro de vida, exigido para contrair um empréstimo, é o proposto pelo banco (normalmente bem mais caro), ou se subscreveres outros produtos, como cartão de crédito. Mas também pesam alguns aspectos mais subjectivos, como o teu historial bancário na instituição onde estás a pedir o crédito ou no sector em geral, o vínculo laboral e outros.
O valor do spread é importante, mas não deve ser sobrevalorizado, especialmente se for garantido apenas com a subscrição de seguros (de vida e multirriscos) do banco, ou implicar outros produtos bancários. Um spread mais alto pode traduzir-se num encargo menor, se tiver menos extras. Para saberes isso, é importante olhares para o MTIC – Montante Total Imputado ao Consumidor, que mostra a soma do custo dos juros, comissões, impostos e outros encargos. Esta informação aparece nas simulações que os bancos fazem.
Quanto é que eu fico a pagar?
O valor que ficas a pagar mensalmente será calculado a partir do montante do empréstimo e da taxa de juro escolhida (fixa ou variável), a que se soma o spread (em alguns casos a taxa fixa pode já incorporar o spread) e o prazo do empréstimo. Por exemplo, num empréstimo de 90 mil euros, a 35 anos, a uma taxa de 4% (valor aproximado da Euribor a 12 meses e um spread de 1,5%), a prestação a pagar será de 398,50 euros.
E agora, o empréstimo está garantido?
Sim, se cumpriste os outros critérios, nomeadamente o montante de empréstimo e a entrada, e se os 398,50 euros representarem cerca de um terço do teu rendimento disponível. Ou se o cálculo feito com uma taxa de empréstimo mais elevada em três pontos percentuais, que neste caso seria de 7%, o que corresponderia a uma prestação de 574,97 euros, não ultrapassar 50% do teu rendimento. Aí, garantes o empréstimo de 90 mil euros.
Quanto tenho de ganhar para poder comprar um apartamento razoável?
Esta é uma pergunta que muitos jovens fazem, antes mesmo de irem procurar casa e conhecer as condições de crédito. As instituições de crédito conseguem dar-te uma resposta com rapidez. E este pode mesmo ser o ponto de partida para quem quer comprar casa, uma vez que ajuda a “afinar” a procura pelo montante que, em condições normais, conseguirás pedir.
Existe algum apoio ou bonificação para os jovens comprarem habitação?
Para a generalidade dos casos, não. Existem condições especiais (taxas substancialmente menores) para cidadãos portadores de deficiência igual ou superior a 60%. Para além desta situação, que está regulada por lei, alguns bancos têm taxas promocionais para jovens, habitualmente aplicadas no primeiro ou segundo ano do contrato do empréstimo, no fim do qual as condições mudam para o regime normal, ou seja, para o que foi negociado para o restante período do contrato.
Devo comprar casa ou arrendar?
A única resposta possível é que depende de cada caso concreto. Arrendar uma casa com uma renda acessível é extremamente difícil, a duração dos contratos é habitualmente curta, garantindo pouca estabilidade. Mas o arrendamento facilita a mobilidade. A compra de casa pode garantir uma prestação compatível ou mais baixa do que a do arrendamento, mas tem associadas outras despesas fixas, como podem ser as de condomínio e de impostos, ou ainda de manutenção. A vantagem de comprar casa pode depender de vários factores, nomeadamente a evolução das taxas de juros e a maior ou menor valorização dos imóveis no futuro.
Os trabalhadores a recibos verdes podem pedir um empréstimo?
Podem. A aprovação do crédito dependerá muito da média de rendimentos auferidos, do valor da entrada, da relação entre empréstimo e valor do imóvel. Os bancos tenderão a olhar para estes clientes com tendo um risco mais elevado, o que pode reflectir-se nas condições do empréstimo. Neste caso, como em todos os outros, é importante a comparação de ofertas de várias instituições financeiras.
Que vantagens tenho em pedir um empréstimo sozinho ou a dois?
Dependem de vários factores, como o montante pedido, o rendimento ou a idade. À partida, a instituição de crédito tenderá a ver menos risco se o empréstimo for contratado por duas pessoas do que por uma.
As condições de um empréstimo para compra de casa para viver ou para arrendar são as mesmas?
Não. Quando se compra uma casa para habitação própria permanente, o banco emprestará, se forem cumpridas as outras exigências, 90% do valor de aquisição ou da avaliação, se esta for mais baixa, o que normalmente não acontece. Para uma segunda habitação, ou uma compra para a destinar ao arrendamento, o banco só pode emprestar 80% do menor valor de compra ou avaliação. No caso de o empréstimo ficar associado às taxas Euribor, a que é somado um spread ou margem do banco, este último valor também varia em função da finalidade a que se destina a casa.
Quanto tempo pode levar todo o processo de procura, simulações do banco, aprovação do crédito e escritura?
Depende muito do tempo necessário para encontrares a casa que se pretende comprar. Especialmente quando se procura uma casa com características muito específicas, em zonas muito delimitadas, até um montante predefinido. A avaliação do imóvel, aprovação do crédito e conclusão da aquisição poderão demorar entre dois a três meses.
Qual é o custo do pedido do empréstimo até à realização da escritura?
Aqui também não há boas notícias. As comissões cobradas pelos bancos variam muito de instituição para instituição, mas facilmente poderão atingirão entre 600 e 800 euros. A este valor acresce o imposto de selo de 0,8% (720 euros) e o imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT). Estão isentos deste imposto imóveis até 93.331 euros, mas a partir desse valor a taxa do IMT varia entre 2% e 8% (cerca de 1800 euros na compra de um imóvel de 150 mil euros). E ainda se junta o custo da escritura, que pode rondar os 400 euros.