“Em Cada Coração um Pecado” (“Kings Row”), de Sam Wood (1942)

Ronald Reagan utilizou, no seu tempo, as associações profissionais para atingir, com um activismo político conservador radical, a notoriedade que lhe escapava como actor. A sua melhor interpretação é, provavelmente, a deste filme

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Seria necessário escrutinar muitas listas ordenadas de filmes para encontrar uma menção à nossa escolha de hoje. Mesmo vendo-nos livres do incomodativo título português, quem ouviu falar de “Kings Row”? Indo mais longe: quem conhece os actores principais (Ann Sheridan, Robert Cummings, Ronald Reagan, Betty Field) ou o realizador (Sam Wood)?

Vamos com calma. Os nosso leitores já conhecem Betty Field (uma das muitas vantagens de serem nossos leitores) de uma nossa escolha anterior, “Piquenique”, de 1955, ou seja, 13 anos depois de ter interpretado, em “Kings Row”, o papel de Cassandra Tower. Possivelmente, os nossos leitores mais familiarizados com política internacional (quase escrevia “com maior cultura geral”, mas lembrei-me, a tempo, que o “conceito” está ultrapassado) já terão ouvido falar de Ronald Reagan, que veio a ser, de 1981 a 1989, presidente dos EUA. É verdade, é o mesmo indivíduo, mas não me atrevo a dizer se foi melhor actor ou melhor político, porque é assim que se arranjam graves discussões e carros riscados. Mas não arrepiará ninguém que se diga que Ronald Reagan utilizou, no seu tempo, as associações profissionais para atingir, com um activismo político conservador radical, a notoriedade que lhe escapava como actor. A sua melhor interpretação é, provavelmente, a deste filme.

Quanto a Sam Wood, o realizador, dirigiu os Irmãos Marx em dois dos seus maiores êxitos (“Uma Noite na Ópera” e “Um Dia nas Corridas”), as quais, sendo duas das maiores comédias de todos os tempos, não se compreende que não tenham ainda feito parte das escolhas destas crónicas (vá-se lá saber como funcionam as mentes de certas pessoas que escrevem sobre cinema...).

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Deixando a Robert Cummings, Ronald Reagan, Betty Field e Ann Sheridan a continuação, como jovens adultos na passagem do século XIX para o XX, da história que começa na infância das personagens Parris, Drake, Cassie e Randy, respectivamente, não pode deixar de causar surpresa ao espectador atento que do elenco possam fazer parte, como “actores secundários”, artistas tão justamente consagrados como Charles Coburn (“As Três Noites de Eva”), Claude Rains (“O Defunto Protesta”) ou Judith Anderson (“Rebecca”). Todos juntos, rompendo escolhos como a artificialidade dos cenários de estúdio ou as insuficiências dramáticas pontuais das crianças-actores, tecem uma perturbante atmosfera de mistério, dúvida, frustração e constrição social para a qual nos atraem e onde nos mantêm presos, até conhecermos as explicações para os factos estranhos que envolvem os pais das raparigas com quem Parris e Drake gostariam de se casar, o dr. Tower (Claude Rains), pai de Cassie, e o dr. Gordon (Charles Coburn), pai de Louise (Nancy Coleman).

A entrada em cena, pela mão de Parris, da nascente especialidade médica de Psiquiatria e as referências crescentes a um lado bom e mau da cidadezinha de Kings Row, de um lado ou do outro da via-férrea que a divide, enquadram finalmente as personagens e as suas histórias, trazendo as ansiadas conclusões para os problemas a cuja formação tínhamos assistido. Um resultado curioso.

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