As vozes dissidentes de Raqqa estão a desaparecer às mãos do Estado Islâmico

Ruqia Hassan, activista de 30 anos, estava desaparecida há meio ano. Terá sido executada em Setembro e a sua conta de Facebook usada para identificar outros opositores.

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A foto de Ruqia Hassan na sua conta de Twitter DR

"Raqqa está a ser silenciosamente massacrada” (RBSS) é o nome do grupo nascido na oposição ao regime de Bashar al-Assad e que ganhou visibilidade internacional quando a cidade do Nordeste da Síria foi tomada pelos jihadistas, no final de 2013. Dois anos depois, as atrocidades continuam sem fim à vista, mas são cada vez menos silenciosas. A última vítima conhecida é Ruqia Hassan, activista de 30 anos, executada pelo Estado Islâmico em Setembro, acusada de espionagem.

A morte foi anunciada pelo colectivo, que nos últimos meses perdeu três activistas às mãos do Estado Islâmico, que o repudiou como "Inimigo de Deus". Segundo o grupo, Hassan foi morta em Setembro, semanas depois de ter sido presa (algures entre o final de Julho e Agosto), mas só há poucos dias os carrascos informaram a família da sua execução.

Para os activistas o longo silêncio do Estado Islâmico, que faz das execuções públicas a sua forma preferida de propaganda e intimidação, tem uma explicação: nestes três meses os jihadistas mantiveram activa a conta de Facebook da jovem para recolher informações sobre as pessoas com quem ela se mantinha em contacto, tanto em Raqqa como fora da Síria. “Queriam encurralar os amigos que comunicam com ela”, contou ao jornal britânico The Independent um activista do grupo que se identifica com o pseudónimo de Tim Ramadan. Ainda na última semana, acrescentou, a conta estava a ser usada para enviar mensagens a alguns dos seus contactos, garantindo que ela estava viva.

Hassan não fazia parte do RBSS reconhecido em 2015 com o Prémio de Liberdade de Imprensa do Comité para a Protecção dos Jornalistas –, mas o fundador do grupo, Abu Mohammed, republicou aquela que terá sido a última mensagem escrita pela jovem. “Estou em Raqqa e recebi ameaças de morte. Quando o ISIS me prender e matar não haverá problema. Eles podem cortar-me a cabeça, mas eu tenho Dignidade e isso é melhor do que viver em humilhação.” A sua última entrada no Facebook data da mesma altura, 21 de Julho, num post em que, com o seu humor negro habitual, denunciava uma nova proibição dos jihadistas sobre o uso de redes móveis. “Podem cortar a Internet à vontade. Os nossos pombos-correios não se vão queixar.”

De etnia curda, nascida em 1985, Ruqia Hassan estudou Filosofia na Universidade de Alepo antes da guerra, altura em que aderiu à oposição ao regime de Assad. Quando o Estado Islâmico conquistou Raqqa, fazendo da cidade a sua capital, a jovem recusou fugir. As redes sociais passaram a ser a sua porta para o mundo, a fuga às práticas e costumes medievais impostos pelos jihadistas, e sob o pseudónimo de Nissan Ibrahim ousava escrever sobre o seu quotidiano, a repressão do Estado Islâmico, ou o medo causado pelos bombardeamentos aéreos, recorda o jornal Guardian. Pouco antes de ser detida foi posta sob vigilância, acusada de manter contacto com os “traidores” do Exército Livre da Síria.

A notícia da sua morte foi conhecida pouco mais de uma semana depois de Naji Jerf, jornalista e realizador sírio, ter sido morto a tiro em pleno dia numa rua de Ganziatep, cidade turca na fronteira com a Síria. Jerf, director de um semanário independente na Síria, tinha acabado de estrear um documentário sobre atrocidades cometidas pelo Estado Islâmico na batalha por Alepo e nas regiões vizinhas, tendo sido ameaçado de morte pelos jihadistas. Dois meses antes, Ibrahim Abd al-Qader, jornalista e um dos fundadores do RBSS, foi morto a tiro noutra cidade fronteiriça da Turquia.

Crimes que punem a dissensão, mas que são sinal também da preocupação da liderança da cúpula do Estado Islâmico com a própria segurança, depois de vários dos seus cabecilhas terem sido mortos em ataques aéreos recentes, sugerindo que a coligação dispõe agora de uma melhor rede de informadores, quer na sua autoproclamada capital, quer em Mossul, a grande cidade do Norte do Iraque onde estarão muitos dos dirigentes do EI. Ainda no domingo, o grupo divulgou imagens da execução de cinco homens, acusados de espionagem a favor do Reino Unido.

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