Um parque de diversões à procura dos nossos medos

The Park guarda os melhores momentos para o final, esquecendo-se que o jogador tem um caminho a percorrer até lá chegar.

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Funcom

Os parques de diversões, ilhas de meninice rodeadas de quotidiano, colocam à vontade da sua versão mais infantil quem os visita. Os mais jovens criam memórias e os mais velhos regressam-lhe. Com The Park, a Funcom subverte esses sentimentos acolhedores e tenta transformar um parque de diversões numa montra dantesca, esperando parar a atenção de quem passa.

Ao jogador é pedida a tarefa de vestir a pele de Lorraine. O seu filho, Callum, perdeu o seu urso de peluche. Desenfreada, a criança foge para o Atlantic Island Park, despoletando a procura incessante da sua mãe no seu encalço. Este acto de rebeldia estabelece também a viga mestra da narrativa e propõe a desculpa para se explorar um local que claramente não devia ser visitado.

Vamos procurando-o de diversão em diversão, chamando-o com o botão direito do rato – o que também ajuda com pistas visuais – e interagindo com vários itens com o botão esquerdo. Ou seja, há muito mais para explorar do que para fazer, com a jogabilidade a ser reduzida e a dar o lugar central do palco à trama e à tensão; ao que a procura para evitar a perda facilmente proporciona: desespero.

The Park tem muito mais laivos desoladores do que aterrorizadores. É uma atmosfera que se entranha na pele, ensopa o jogador com o peso de ser vizinho do macabro. É uma contração atmosférica que tem efeitos imediatos, revertendo a diversão de andar na roda gigante ou na montanha-russa; a emoção de estar perto dos carros-de-choque. Há aqui a desolação de sermos expostos ao abandono de locais que normalmente são apontamentos de felicidade.

Com o passar do tempo vamos começando a receber indícios de que vidas eram estas antes de chegarem ao arranque da obra. A Funcom recorre a um estratagema idêntico a um Cubo de Rubik para nos mostrar e resolver várias facetas que à primeira vista eram uma incógnita ou nem sequer contempladas, tentando justificar um final que não é aquilo que esperávamos, colocando em causa quase tudo que une mãe e filho.

Há jogos com uma longevidade curta que são eficazes, porém, infelizmente não é o caso de The Park. Uma hora e meia prova ser uma alocação temporal curta para que a reviravolta narrativa seja totalmente eficaz, deixando o jogador a interrogar-se por que motivo não teve direito a mais 30 ou 60 minutos para saciar a intriga e perceber qual é verdadeiramente o trato entre os dois personagens principais.

Podemos interpretar literalmente as últimas acções do jogo, mas seria um desfavor à complexidade do que é colocado em cima da mesa: depressão, comprimidos, a morte de um membro central daquela família; vidas que chegaram ao parque completamente trucidadas pelo quotidiano. São pontas que a produtora nunca chega a atar e que fazem falta ao encerramento do argumento.

Esta curta duração nota-se de forma mais gravosa devido ao desequilíbrio de The Park. Inicialmente estamos perante uma obra de emoção em câmara lenta, com algumas escolhas erróneas de design a inquinar o interesse. Fica a sensação que a Funcom quis guardar todos os trunfos para os últimos momentos do jogo, terminando a nossa estadia em Atlantic Island Park quando se começa a sentir que a obra parou de gatinhar e começou a dar os primeiros passos.

Há que mencionar uma ligeira ligação ao MMO The Secret World, também desenvolvido pela Funcom, contudo não é obrigatório serem seus doutorandos para atestarem as valências do jogo aqui destacado. As duas obras partilham o mesmo universo, ou seja, há locais, personagens e alguns elementos da narrativa em comum, ainda que não interfiram com a independência da obra aqui em análise.

Excluindo dois momentos em que é praticamente impossível não estremecer na cadeira, The Park não recorre a sustos fáceis e gratuitos, o que não quer dizer que nos últimos minutos quem está em frente ao monitor seja poupado a alguns calafrios. Nessa fase do jogo, o título atira com tudo o que tem a quem joga, numa incessante sequência atemorizadora.

De certa forma faz lembrar O Projecto Blair Witch. Infelizmente, ao contrário do filme de 1999, não se sente o crescendo, sendo quase reduzido a dois modos: nada ou tudo. Há claramente duas perguntas a colocar: por que demorou tanto? Por que terminou agora?

Quem compra uma obra de entretenimento inserida neste género está disposto a ser assustado e a ter uma experiência que de alguma forma seja desinquietante. O título desenvolve uma amizade pela demonstração do que poderia ter sido se fosse mais progressivo, mesmo que seja dedicado tempo a passar o cenário a pente fino e a recolher a informação espalhada em notas e em folhas de jornal.

Isto é também válido para o departamento técnico. Logo a seguir a entrarmos no parque subimos numa escada rolante, um momento que pode ter o simbolismo de elevar o palco dos noventa minutos seguintes, como se estivéssemos a ascender a uma dimensão onde as regras do mundo real não se aplicam. Contudo, ainda que a atmosfera nunca seja uma desilusão completa, há um afrouxar seguinte que apenas é redimido quando de lanterna em riste entramos na última secção do parque.

Aqui a atenção ao detalhe é assinalável, com vários toques gráficos e sonoros a incomodar genuinamente o jogador; com as várias passagens pelo cenário a demonstrar uma deterioração, um apertar do cerco à consciência, atenuando a linha entre o real e o projetado – um ritmo em crescendo como quem estala os dedos; um dois três, um dois três, cada vez mais apressado e urgente, a abertura de cada porta ganha finalmente o peso devido, o peso que capta a nossa total atenção: nestes minutos, ou se está a jogar The Park ou não se está. E o tempo que o jogo tem para nós termina: adeus.

Quando se chega ao final da obra há a clara sensação que afinal o seu verso não é o inicialmente indiciado, uma proposta que transmuta com o acumular dos minutos e que não é mais eficaz porque a idealização está uns furos acima da realização. 

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