Carros em Portugal poluem até seis vezes mais na estrada do que em testes

Estudo do Instituto Superior Técnico confirma no país suspeitas reforçadas com o caso da Volkswagen.

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Os carros vendidos em Portugal têm emissões poluentes que chegam a ser pelo menos seis vezes superiores ao que é garantido pelos fabricantes, segundo um estudo que confirma no país uma suspeita generalizada sobre os automóveis no mercado europeu.

Investigadores do Instituto Superior Técnico testaram, em 2012, onze veículos ligeiros a gasóleo, em percursos realizados em ruas e estradas. As emissões registadas de óxidos de azoto (NOx) – um dos gases poluentes que saem dos escapes – eram de 1,6 a 6,4 vezes maiores do que os valores obtidos nos testes em laboratório, durante a certificação oficial dos carros. A média foi de 3,7 vezes. Todos os valores estavam acima da norma então em vigor para os carros novos na União Europeia – a Euro 5, hoje substituída pela mais exigente Euro 6.

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Os resultados do estudo estão prestes a ser publicados numa revista científica internacional. Uma síntese enviada ao PÚBLICO não identifica quais as marcas dos automóveis testados.

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O estudo também revelou emissões de dióxido de carbono (CO2) maiores do que as prometidas nas fichas técnicas dos automóveis. A diferença média foi de 20%, tendo chegado a 63% num dos 14 veículos analisados – neste caso, onze a gasóleo e três a gasolina.

A diferença nos níveis de CO2 significa que os condutores estão a gastar mais combustível do que esperariam. O investigador Gonçalo Duarte, do Laboratório de Veículos e Sistemas de Propulsão do IST e autor principal do estudo, explica que as variações nas emissões de CO2 equivalem às do consumo. “São a mesma coisa”, diz.

O trabalho do IST apenas confirma em Portugal uma situação que vem sendo denunciada há anos: a de que os testes para a certificação dos automóveis representam muito mal as suas reais emissões poluentes. Em estrada, os carros sobem e descem ladeiras, enfrentam o pára-arranca e estão sujeitos a diferentes condições atmosféricas e hábitos de condução.

No laboratório, é tudo mais simples: os veículos são colocados em bancos de rolos e efectuam um percurso imaginário pré-estabelecido, com condutores experientes, sem sair do lugar. “É uma viagem muito calma. É um teste conservador”, afirma Tiago Farias, professor do Departamento de Engenharia Mecânica do IST e especialista nesta área.

Não só os testes são mais “simpáticos” do que a estrada, como os fabricantes utilizam lacunas na legislação para obter menores emissões em laboratório. Aumentar a pressão dos pneus, desligar equipamentos eléctricos não essenciais ou utilizar lubrificantes especiais são algumas estratégias usadas.

Embora já existissem, os alertas sobre esta situação ganharam um fôlego inédito quando se soube, há cerca de duas semanas, que o grupo Volkswagen instalou nos seus carros um software para ludibriar deliberadamente o teste, indo muito além dos subterfúgios legais conhecidos.

A empresa reconheceu publicamente o estratagema, abrindo uma crise sem precedentes na sua credibilidade e na da indústria automóvel. Cerca de 11 milhões de automóveis das marcas VW, Audi, Skoda e Seat serão recolhidos e reequipados. Em Portugal, estão em causa cerca de 94 mil carros.

Ainda esta semana, duas organizações não-governamentais divulgaram  um estudo a indicar que diferenças entre as emissões em laboratório e nas estradas são encontradas em carros de praticamente todas as maiores marcas. Para o CO2, esta diferença subiu de 8% em 2001 para quase 40%em 2014. Os resultados são baseados em dados de 600.000 automóveis, de seis países, em grande parte de sites onde os próprios condutores introduzem informação sobre o consumo de combustível.

No estudo do IST, a abordagem foi diferente e procurou-se que a experiência reflectisse o mesmo que é feito em laboratório, mas sem as estratégias comuns dos fabricantes para reduzir as emissões. “É como se os carros estivessem num ciclo de testes, mas na estrada”, explica Gonçalo Duarte.

Os resultados obtidos vão de encontro ao que já era reconhecido pela comunidade científica, mas desconhecido pelos consumidores. O próprio modelo matemático mais utilizado para se calcularem as emissões totais do sector rodoviário de um país – o Copert – assume que os carros a gasóleo emitem 4,5 vezes mais NOx do que os limites legais. Ou seja, já leva em conta que os valores de laboratório não contam a história toda. “As emissões nacionais calculadas com o Copert não subestimam, por isso, os níveis reais de NOx”, diz um dos responsáveis pela metodologia do modelo, Leonidas Ntziachristos, do Laboratório de Termodinâmica Aplicada da Universidade Aristóteles, na Grécia.

A quantidade total de NOx que sai dos escapes dos automóveis e também das chaminés da indústrias na União Europeia caiu 30% entre 2003 e 2012. Mas o dióxido de azoto (NO2) – o componente mais perigoso dos NOx – não acompanhou a descida no mesmo ritmo, devido ao aumento do número de carros a gasóleo em circulação.

Em Portugal, apenas 24% dos veículos ligeiros eram movidos a gasóleo em 2000. Agora são 71%. É o terceiro país com maior proporção de carros a gasóleo na Europa, a seguir à Irlanda e ao Luxemburgo, segundo a Associação Europeia de Construtores de Automóveis.

Se as emissões destes automóveis fossem de facto as que os testes em laboratório dizem, a qualidade do ar nas cidades seria muito melhor, prevenindo parte das 400.000 mortes prematuras anuais associadas à poluição atmosférica na Europa, segundo a Organização Mundial de Saúde e a Comissão Europeia.

Um novo teste em laboratório para a certificação das emissões dos carros, mais realista, tem vindo a ser desenvolvido ao nível das Nações Unidas e está na calha para ser adoptado por vários países. A União Europeia quer introduzi-lo em 2017, mas ainda não é certo que o fará nessa data.

Mas mesmo os novos ensaios não chegam. Um estudo do automóvel clube alemão ADAC mostra que carros de diferentes fabricantes emitem até 14 vezes mais NOx na estrada do que nos ensaios em laboratório, mesmo com a nova metodologia. “O novo teste é mais realista, mas continua a ser muito simpático”, diz o investigador Tiago Farias, do IST.

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