Tsipras lança em Estrasburgo o último apelo antes da cimeira de domingo

O Parlamento Europeu está tão dilacerado como a Europa. O líder grego tentou aumentar a pressão sobre Berlim, foi aplaudido pela direita eurocéptica e vitoriado pela esquerda radical.

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Tsipras durante o debate no Parlamento Europeu Vincent Kessler/Reuters

O discurso do primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, esta quarta-feira no Parlamento Europeu (PE), e a discussão que se lhe seguiu demonstraram quanto a crise grega e o governo do Syriza radicalizaram as posições dentro da Europa. Encostado à parede pela “asfixia financeira”, Tsipras escolheu Estrasburgo para lançar um derradeiro apelo antes da cimeira de domingo e aumentar a pressão sobre Berlim. Nas bancadas de grupos eurocépticos viam-se cartazes com a palavra “Oxi”, uma alusão ao “não” do referendo grego.

No centro do discurso de Tsipras está uma mensagem que encerra simultaneamente um pedido e uma ameaça: “[A Grécia] é um problema europeu e os problemas europeus exigem soluções europeias.” Garantiu que não tem uma agenda oculta para sair do euro, manifestando “confiança” na obtenção de “um compromisso honroso” que evite “uma ruptura histórica” da Europa. A ameaça implícita é o risco de que um Grexit (saída do euro) provoque, a prazo, a desintegração da moeda única e um desastre geopolítico para os europeus — gregos incluídos.

Que deseja Atenas? “A minha pátria foi transformada num laboratório experimental da austeridade, mas a experiência não teve sucesso. Reivindicamos um acordo com os nossos aliados que nos leve directamente para fora da crise e que faça ver uma luz no fim do túnel, com reformas credíveis mas que, ao mesmo tempo, redistribuam o fardo pelos que o podem assumir e com o menor risco possível de recessão.”

Diz que o país se encontra “num círculo vicioso e no impasse da austeridade”, denunciando a ajuda prestada nos últimos cinco anos: “Os dinheiros dados à Grécia nunca chegaram ao povo, os fundos foram dados para salvar os bancos gregos e europeus.” Quer um debate sem tabus “sobre a sustentabilidade da dívida pública” e garantiu que “a proposta do governo grego para a reestruturação da dívida não foi concebida para agravar o fardo dos contribuintes europeus”. Não o explicou de forma mais concreta.

Noutra passagem, abandonou o discurso nacionalista e anti-europeu que faz em Atenas. “Não sou um daqueles políticos que dizem que os problemas da nossa pátria são culpa dos estrangeiros: durante demasiados anos os governos gregos criaram um Estado clientelista, alimentaram a corrupção entre política e empresas, enriquecendo uma certa camada do povo, os 10% que detêm 56% da riqueza do país. E esta enorme desigualdade, junta ao programa de austeridade, agravou a crise em vez de a corrigir.”

Contra-ataque do PPE

Tsipras foi atacado pelos eurodeputados do Partido Popular Europeu (PPE, democrata-cristão), aplaudido pela esquerda radical e pela extrema-direita, poupado pelos socialistas.

A resposta mais virulenta veio do alemão Manfred Weber, líder da bancada do PPE: “O senhor tem um balanço catastrófico, não representa a esperança. (...) Não minta às pessoas. Serão a Espanha, Portugal ou a Eslováquia a pagar as vossas dívidas. O senhor organizou um referendo e, agora, a Eslováquia também quer fazer um porque está farta de pagar por vós.(...) O senhor representa um governo que disse muitas coisas nas últimas semanas, como, por exemplo, ter chamado terroristas aos credores. O primeiro-ministro grego deveria pedir desculpa por essas declarações inaceitáveis.”

E ironizou: “Os extremistas da Europa aplaudem-no. Está a dar-se com os amigos errados.”

De Farage a Iglesias

De facto, os grandes elogios vieram da direita eurocéptica e da esquerda radical, mas em registos diferentes — contra a UE ou em nome de “uma outra UE”.

O inglês Nigel Farage, líder do UKIP (xenófobo e anti-europeu) saudou o “não” do referendo: “Aquilo a que estamos a assistir nesta câmara, e em toda a Europa, é à diferença cultural entre a Alemanha e a Grécia, à divisão entre o Norte e o Sul da Europa. O projecto europeu está a começar a morrer.” E incentivou Tsipras a ir mais longe: “Se tem coragem devia conduzir, de cabeça erguida, o povo grego para fora da zona euro. Sim, vai ser duro nos primeiros meses, mas com uma moeda desvalorizada e amigos em todo o mundo o país vai recuperar.” A mensagem de Marine Le Pen foi a mesma: a Grécia deve sair da zona euro “porque ainda é tempo de dissolver o euro [de forma ordenada].”

Pablo Iglesias, líder do Podemos espanhol, agradeceu enfaticamente a Tsipras “por resistir à chantagem” e ter erguido “a bandeira da Europa”. Respondeu às críticas de Weber: “O que destrói a Europa é a arrogância do governo alemão e a incapacidade de certos governos para defenderem os seus povos.”

Menos tonitruantes foram as reacções dos outros grupos. O italiano Gianni Pittella, líder socialista, sublinhou a frontal oposição do socialistas a uma saída da Grécia do euro e apelou: “Confio em que o primeiro-ministro grego demonstre visão política e responsabilidade pela bem do povo grego.” O belga Guy Verhofstadt, chefe do grupo liberal acusou Tsipras de não fazer reforma e fez um aviso: “Estamos a caminhar como sonâmbulos em direcção ao Grexit e quem pagará a conta maior serão os cidadãos gregos.”

Na sua resposta, Tsipras replicou: “A Grécia apresentará na quinta-feira ao Eurogrupo um programa com reformas credíveis para encontrar uma solução da crise, equatitativa e viável.” Em resumo: aceita fazer reformas “para mudar a Grécia” mas quer um corte da dívida.

O debate no PE valeu pelo que revela sobre a radicalização das posições. Não houve vencedores. Tsipras não ganhou amigos nem fez novos inimigos. No PE, os grupos parlamentares ou as “famílias políticas” encobrem também as crescentes divergências nacionais.

Foi uma manhã de teatro que ocupou as televisões. Todos os olhos estavam postos noutros lugares: em Paris e Berlim, no BCE ou em Washington, que continua a pressionar Angela Merkel para que aceite uma redução da dívida grega.     

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