“O Bloco nunca foi monotemático nem colocou causas na gaveta”

Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, diz que o partido demonstrou grande combatividade nos últimos quatro anos.

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Pedro Filipe Soares Maria João Gala

O Bloco de Esquerda passou dois dias no distrito de Setúbal nas suas últimas jornadas parlamentares da legislatura. Anunciou cinco diplomas, entre os quais uma lei de emergência social, que inclui, por exemplo, o aumento imediato do salário mínimo, maior protecção para desempregados, para o direito à habitação e de protecção fiscal. Ocasião para um pequeno balanço com o líder parlamentar Pedro Filipe Soares.

O que leva o Bloco destas jornadas?
O padre Constantino [do Bairro da Belavista] falava nessa necessidade de consciência cívica que tem que existir na sociedade. Levamos o repto de agir para melhorar a vida das pessoas. E um partido político com representação parlamentar tem um espaço privilegiado para o fazer, quer com alterações à lei, com novas leis e com a fiscalização do governo. Melhorar é muitas vezes responder a receios essenciais que as pessoas têm: cortes de água, cortes de luz, alimentação, coisas básicas. Temos abertura para discutir cada pormenor desta proposta de lei de emergência social, mas esperamos que haja uma sensibilidade para a olhar como um todo, como uma lógica de pensamento.

Admite que o aumento do salário mínimo para 545 euros pode ser considerado elevado?
O SMN foi aumentado de 485 para 505 euros e houve vozes a dizer que era inaceitável e que a economia ia perder competitividade. Agora, as mesmas vozes dizem: ‘a economia até está a ter um bom desempenho, está a crescer’. É um valor que está em linha com o que foi aprovado no acordo de 2006 e que previa os 500 euros em 2011. É aquilo que há nove anos foi aceite por todos como algo natural e alcançável.

Quais foram as marcas legislativas do Bloco nestes quatro anos?
O Bloco demonstrou uma enorme combatividade. Os temas que trouxe para o debate político foram vários: conseguimos marcar a actualidade com o debate sobre a corrupção e o enriquecimento ilícito e injustificado, que está em debate da especialidade. Fomos nós que demos esse pontapé para que o debate fosse novamente introduzido após o acórdão do Tribunal Constitucional.

As questões de violência doméstica e da tipificação da violação como crime público são matérias que mostram como o BE conseguiu fazer um conjunto de propostas que geram muito debate – e que são a nossa imagem. Tivemos questões relativas à habitação: demos a ideia para a criação do regime extraordinário de apoio a famílias endividadas com o crédito à habitação; a alteração ao crédito à habitação para deficientes e até a questão da impenhorabilidade das casas de habitação. A maioria chumbou-nos a proposta, mas o Governo adoptou parte dela, dando ordens à Autoridade Tributária para não penhorar nada até às eleições. Também marcámos, com relevo, a comissão de inquérito do BES. E fomos nós que propusemos o referendo ao Tratado Orçamental.

Essas questões são sociais e económicas. O BE tem-se afastado das causas das minorias que o caracterizavam. Portugal já evoluiu o suficiente para o BE poder olhar para outras temáticas?
Há uma ideia sobre o BE que não é muito certa. Diz-se que o Bloco é o partido das causas fracturantes. Mas ao mesmo tempo que defendia um conjunto de avanços na defesa de direitos individuais – liberdades sexuais, o direito à emancipação das mulheres -, o BE introduzia no debate público o tema da precariedade no trabalho.

Foi criada uma ideia, que às vezes pode ser preconceito, e que não é verdadeira. O Bloco nunca foi monotemático e também não creio que se possa dizer que colocou algumas causas na gaveta. Acho é que há um espaço mediático diferente de outros tempos. E por isso as matérias que têm mais atenção são sempre as económicas ou sociais.

A questão da violência policial é um tema que o BE tem levantado desde o início. Na semana passada promovemos um debate sobre a violência policial na AR, com uma iniciativa legislativa - obviamente não teve o espaço mediático como se fosse hoje. Mas isso mostra que não esquecemos nenhuma das temáticas.

Fomos nós quem trouxe para o debate o tema da adopção por casais do mesmo sexo. O PS só trouxe a co-adopção. Há duas semanas fizemos um debate sobre a identidade de género e o transgénero em Portugal, e faremos uma iniciativa legislativa sobre a matéria. A questão da violação enquanto crime público levou a um debate muito mais elevado no tom do que esperávamos. Levámos a debate a questão da mutilação genital feminina. Há ainda temas, entre as liberdades individuais, com muito por fazer.

Pelo tom inflamado das intervenções nestas jornadas percebe-se que o BE também já está em pré-campanha…
Estamos sempre. Não concebo a política sem uma disputa de ideias – apresentamos uma proposta, esgrimimos argumentos, sensibilizamos as pessoas. Isso é debate político. Não creio que seja confundido com eleitoralismo ou propaganda. Disputamos ideias e batemo-nos por elas estejamos a quatro anos ou a quatro dias das eleições. Mas aí o BE tem um slogan que é válido: “Esquerda de confiança”. Nós somos aquela esquerda em que podem confiar que cumprimos com a nossa palavra. Outros já não podem dizer a mesma coisa.

Se houver um Governo minoritário de esquerda e for necessária uma agregação à esquerda, o BE preferiria acordos de base parlamentar ou algo formal como uma coligação?
Neste momento preferimos apenas ir a eleições, batermo-nos pelo melhor resultado possível. É muito difícil. Adaptando o ditado no desporto, na política é “prognósticos só depois das eleições”.

O que seria melhor para o BE e para o país era um Governo do Bloco de Esquerda (risos). Nós vamos a eleições não para disputar cenários pós-eleitorais mas para disputar ideias que possam criar melhores soluções pós-eleitorais. Vamos ainda discutir nos próximos dois meses o programa eleitoral. Temos a apresentação do nosso manifesto económico nos próximos dias; a 21 de Junho uma apresentação mais fechada do programa e a 5 de Julho já fechado e limado. O cartaz com que nos vamos apresentar às eleições baseia-se numa clara negação da austeridade, valorização dos serviços públicos, devolução de direitos laborais, valorização da distribuição de rendimentos e ataque às desigualdades.

Estamos num recorde de partidos e movimentos legalizados. Acredita que isso ajudará a captar eleitores ou apenas a dispersar os que já votam?
Há um conjunto grande de pessoas (quase metade do eleitorado) que não votam porque estão desencantadas, desencorajadas, acham que um partido ou a democracia lhes falhou.

É uma pergunta difícil. Espero que motive as pessoas para votarem mais. Não vejo de forma negativa uma democracia com muitos partidos. O resultado final da democracia é o somatório de todos os votos e logo se vê qual o resultado.

A democracia tem sido degradada por uma quebra de confiança. Se elencássemos o conjunto de promessas feitas com a mão no peito, quer de PS ou PSD, e que depois chegam ao Governo e fazem exactamente o contrário do que prometeram... Isso é que afasta as pessoas. O que vemos, não só no nosso país mas na Europa como um todo, é que isso leva a que as pessoas rompam a confiança que têm com o sistema democrático em vez de promover uma alternativa de voto.

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